O trabalho de uma mulher vale menos 33% do que o de um homem. O machismo continua
Sem desconfinamento à vista e dois períodos letivos pela frente, o Governo percebeu, finalmente, que teria de rever as regras de apoio aos pais. Custou, mas foi.
Obrigada à CGTP, UGT e partidos que se bateram por isto. Por fim, as pessoas em teletrabalho têm uma alternativa a enlouquecer desde que estejam sozinhos a criar os filhos, tenham crianças até ao 1.º ciclo ou "o agregado familiar integre, pelo menos, um dependente com deficiência, com incapacidade comprovada igual ou superior a 60 %, independentemente da idade". Achei melhor citar o comunicado do Conselho de Ministros de quinta-feira para não me enervar ainda mais com isto.
Até agora uma pessoa a cuidar de outra com deficiência não tinha um apoio que fosse, e o assunto não mereceu grande debate no espaço público. Quero citar a minha filha de 13 anos a citar outras pessoas: "A deficiência é o último grau da invisibilidade".
Há uma medida adicional neste pacote: 100% do salário pago se a assistência à família for alternada entre pai e mãe.
É um raciocínio difícil, mas gostava de tentar explicar por que razão esta medida é mais uma facada na igualdade em vez de a promover, fazendo o trabalho de uma mulher valer menos 33% do que o de um homem.
Como descobriram que no primeiro confinamento mais de 80% das pessoas que ficaram com os filhos foram mulheres, desta vez, "para promover o equilíbrio na prestação de assistência à família", pai e mãe recebem a 100% se alternarem semanalmente o apoio à família.
Excluindo as pessoas com deficiência, este apoio alcança pais de crianças até 10, 11 anos. Estamos a falar de uma geração que já usufruiu de licenças de parentalidade mais bem pagas quando repartidas entre pai e mãe, o que parece ter servido de pouco. Pela segunda vez, no espaço de uma década, estes homens estão a ser pagos para partilharem tarefas domésticas e de educação com as mulheres. A primeira pode ser um incentivo, a segunda é um suborno. E é inaceitável (por mais que algumas mulheres saiam beneficiadas com esta medida).
Uma coisa é desenhar políticas de igualdade quando podemos preparar as coisas nos nove meses de uma gravidez e no que se supõe ser decisão para a vida - ter um filho. Outra coisa é, neste cenário de curta duração, tomar decisões pelas famílias e imaginar paraísos idílicos de igualdade porque se paga 100% do salário ao pai e à mãe. Se mais de 80% de mulheres ficaram a cuidar dos filhos há um ano não é porque elas tenham um amor desmesurado pelos filhos ou desapego brutal pelo trabalho. É porque isso era mais conveniente, porque elas têm um salário mais baixo que impacta menos no rendimento total da família e/ou porque continuam a ser melhores gestores dessa empresa que é o agregado familiar. Isto apesar do pai já ter recebido uma vez para ficar com os filhos.
Sabemos que a aprendizagem do cuidar dos filhos melhora a igualdade das famílias e é justo lutarmos por ela. É justo reinvindicar que os pais lavem, limpem, arrumem e cozinhem para a família tanto quanto as mulheres, mas, por se tratar de um período curto, é normal que muitas famílias escolham, apesar do dinheiro, que só uma das pessoas fique em casa, na medida em que estar ausente prejudica o trabalho e, nesse sentido, mais vale que apenas um saia a perder. Essa pessoa, segundo esses mais de 80% que pediram apoio há um ano, são mulheres, portanto se o apoio a 100% está disponível que sejam elas a usufruir dele, pois, como está à vista, também foram elas a fazê-lo até aqui. Ou, porque não, experimentarmos pagar mais 33% às mulheres para continuarem a trabalhar?
Era bom errar, mas quando voltarmos a fazer as contas, mesmo com este suborno à igualdade express, mais mulheres do que homens terão pedido apoio excecional à família, mas terão recebido apenas 66% do salário, que é, pelos vistos, o valor que o Ministério do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade acha que vale o trabalho das mulheres. Uma boa parte daquelas que agora vão alternar ficará com mais dinheiro na carteira (sempre agradável, não vou dizer que não), mas com o mesmo trabalho de sempre: fora de casa e nas tarefas domésticas. Ou acham que não vai ser assim?