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Quem sai aos seus

Um blogue para a Madalena, para a Teresa e para a Francisca.

Quica e o retrato de um pai

La_famille_Bellelli_Degas_sem legenda.jpg

Não é por acaso que lhe chamam Preparação. A sala dos 5 anos é uma antecâmara do que virá. Esses longos dias sentados numa mesa, usando o lápis, usando a cabeça, usando os dedos para contar. Soa tão distante e, no entanto, só falta um ano e começam a fazer caminho para entrar em pleno nessa vida. Todos os dias se treina a motricidade fina. Não mais os meninos chegam ao primeiro ano precisando de esponja e agulha para picotar. Não se fazem ondas intermináveis ou saltos de coelho como em 1982.

A Francisca já sabe escrever o nome em maiúsculas, um feito extraordinário tendo em conta que não perdi um segundo no assunto, a não ser para me lamentar. Que raio de ideia ter dado um nome tão complexo à mais bebé das crianças. F-R-A-N-C-I-S-C-A. Tantas voltas, tantas retas, tantas sílabas. E, no entanto, já sabe. Duplica o meu orgulho para ser sincera.

Próximo passo, reconhecer as 18 palavras básicas de onde, daqui a um ano, extrairá letras e frases. O meu nome é... A mãe é bonita... Eu falo com Jesus na capela...

Madalena foi "amiga". Teresa, "flores". Quica, "pai". É a primeira de todas as palavras que aprendem. A mais simples. Tão pequenina, sem acentos, só com aquela pintinha que diverte. Inventei uma canção com a palavra amiga, escrevi uma história com flores e este ano tive de escolher um quadro com um "pai" e explicá-lo a 15 pares de olhinhos e ouvidos.

Foi este Retrato da Família Bellelli, de Edgar Degas, da segunda metade do século XIX, que é uma época que sempre me entusiasma ver nas pinturas. As crianças gostaram de tudo, mas a parte que os fez levantar as cabeças com mais entusiasmo foi quando lhes contei que há mais do que um pai neste quadro. Então, eles começaram a procurar e procurar pequenos detalhes até que uma das meninas apontou, meio tímida, aquele desenho emoldurado em segundo plano, que não é o outro senão o pai da senhora de negro.

Todas estas coisas, mais os nomes dos retratados -- Gennaro e Laura, barão e baronesa de Bellelli, e as filhas, Giovanna e Giulia, de 10 e 7 anos -- descobri uma destas noites bem tarde  enquanto estudava o que lhes ia contar. O uso do verbo estudar é rigoroso, gostava de acrescentar.

Foi difícil encontrar uma pintura com um pai a fazer de pai, sem conotações religiosas. Deixo esses para o sortudo a quem calhou a palavra Jesus.

Andei às voltas com a pintura antiga em vão. Então, avancei no tempo. Impressionistas. Achava que podiam existir cenas de família. Tinha quase a certeza que já as tinha visto. E vi. Mas, claro, qualquer pesquisa "père" + "impressionism" vai parar ao Claude Monet, por ser a pessoa a quem é atribuída a paternidade do movimento. Porém, tanto quanto percebi, não se interessava por cenas familiares com um pai. Aliás, foi preciso alargar a busca a um "family" + "impressionism" para chegar a Degas, que, por acaso até tem outro quadro, Place de La Concorde, de um pai com as duas filhas. Era bonito, mas os bibes das meninas Bellelli eram imbatíveis. Os miúdos, e a professora, adoraram.

Degas não terá sido o único a pintar cenas com um pai, mas que elas estão em minoria, disso não há dúvida. As crianças costumam estar com mulheres, mães ou amas. Mesmo neste quadro, o homem contempla as crianças, mas quem está a cuidar delas é a mãe. Percebe-se. A cena tem quase 150 anos, mas ainda podia ser um fim de semana num qualquer parque em Portugal. As crianças com as mães, o pai em posição mais recuada. 2017 e ainda se vê.

Degas fez a diferença pintando esta cena aparentemente banal -- a mulher na sua dignidade burguesa, de luto, chorando o pai que está na moldura, e o homem quase de costas a quem adivinhamos um olhar dócil para as filhas. Pelos vistos, se temos cenas do quotidiano, aos impressionistas devemos qualquer coisa. (E ainda bem).

Cenas de gente sem nada de extraordinário que perduraram porque alguém achou bonito guardar a imagem de uma mulher triste e do marido sentado numa cadeira. Ou uma tarde num barco. A jovem com a sombrinha ou os meninos na creche... Em quase todas, se repete esse modelo: as crianças estão com as mulheres, os homens “fazem coisas”, algumas mulheres são objetos de desejo e, coisa curiosa, foi mais ou menos por esta altura que Dejeuner sur L’Herbe foi pintado. Um quadro quase casto hoje, totalmente revolucionário quando Edouard Manet o pintou. Nem tinha noção, mas aquela mulher foi das primeiras, talvez mesmo a primeira, a ser pintada nua, na rua, sem ter lhe pôr umas asinhas e um crucifixo como desculpa.

Calma! Estas partes não contei às crianças.

[Imagem: O Retrato da Família Bellelli, de Edgar Degas, 1860, Museu de Orsay]

Sete dias de trabalho seguidos

Os jornais estão para os escritores como as novelas para os atores. É preciso ser tão rápida como inspirada, combinação que requer uma coincidência cósmica do mais excecional. Há dias em que, parecendo que não, porque ser jornalista é uma cena cheia de glamour, uma pessoa fica parecida com um trapinho de limpar o chão do Colombo. Depois chega a casa e pensa que vai descansar cinco dias seguidos, que vai poder brincar com as filhas até ter de lhes dizer "mas só sabem dizer mãe?" e tudo volta a fazer sentido. Até já

Abrimos a porta ao verão

Sábado: almoçar na praia, deixar que as crianças sujassem os pés de areia, balouços na estrela, rebolar na relva e banho a fundo para tirar as pulgas. A Quica andou, andou, andou. Mais do que em qualquer outro dia da sua curta vida. Caíram redondas na cama.

 

Domingo: Foram tomar o pequeno-almoço com a mãe. Bem, elas já tinham tomado e ficaram pelos garotos. É só leite, mas a encenação dá muito gozo. Parque e mais parque. Ao ponto de terem sido elas a pedir para ir para casa. Tentámos tirar selfies (a que ficou boa não se pode publicar). Almoçar com os avós. Tomar café sozinha com o pai. Jantar pizzas. Francisca deliciar-se com massa. Ouvir a Madalena dizer "está aqui escrito CASA". Tirar uma foto para imortalizar o momento.

 

 

 

#family

Pai

 

Este é o meu pai. Uma pessoa incrível, nem preciso de dizer. Fui ao Livro do Bebé desencantar esta fotografia. Das poucas que tenho só com ele em bebé. Foi tirada no meu batizado (bolas, parece que agora não conheço outra palavra). Tinha um mês e meio e o meu pai 24 anos. Impressiona-me sempre a idade dele. Tão novinho e já com uma filha... Tem agora 63 anos e ajuda-me tanto hoje como quando eu era pequena ou adolescente. Está connosco e está bem, achei que o devia celebrar. Especialmente depois da montanha russa de sentimentos que foi andar pelo Facebok hoje. De um lado, apaixonadas declarações pelos pais e alegria. Do outro, as mães que são mães e pais, os filhos das mães que são pais, todas as palavras de quem já não tem o pai por perto e o silêncio de quem ainda não consegue falar sobre a sua ausência. A injustiça em todo o seu esplendor, no fundo. Um abraço para todos eles.

A razão por que não gosto de levar mais do que um balde para a praia

fotografia.JPG

É que é uma história que acaba sempre da mesma maneira. A mula da mãe carrega os brinquedos todos porque elas não podem com eles ou uma delas açambarca os baldes todos. Isto para dizer que estas ferias fui infiel ao principio do "levamos o que possam carregar" e deu asneira. Primeiro porque elas não conseguem carregar tudo e também não vou agora dividir em dois sacos, depois porque não precisam efetivamente de dois de cada, mas sim de variedade, como eu própria já tinha concluído nas ultimas férias. Mais vale, realmente, escolher uns quantos e meter num saco mais pequeno e ir variando. Mesmo pedagogicamente acho mais interessante porque assim as obrigo a brincar uma com a outra e não a disputar brinquedos. E, no entanto, quase aposto que vou continuar a pegar no saco que está na bagageira com tudo só porque é mais rápido... Outra coisa divertida dos brinquedos de praia é ver como se portam os pais quando os seus filhos pedem as coisas de outros meninos. Impera a ideia de que quem tem deve emprestar. Em principio, nada contra. Não só não faz diferença como é normal os pais se esquecerem de levar estas coisas ou os miúdos quererem variar. O que já não me parece tão normal é que os pais partam do princípio que tenho de emprestar o regador da minha filha, a única coisa que ela tem naquele momento e com que está a brincar à beira-mar, só porque outra criança a pede e aparentemente não tem mais nada. Quer dizer, volto a repetir, não me custa emprestar mas não tenho obrigação de carregar com brinquedos para agradar aos filhos dos outros. E, é aqui que quero chegar, onde é que fica também a cordialidade de dizer à criança "Maria dos anzóis, pede à menina para brincar" ou dizer aos pais qualquer coisa que justifique uma entrada a pés juntos de uma matulona de quatro anos sobre uma menina de três.l

Relato emocionante dos primeiros dias de férias

Estou velha.

Claro que isso não é uma dessas coisas que as outras pessoas possam dizer. Não podem. Só eu. Quem ouvir tem mais é que dizer "não estás nada, nunca estiveste melhor". Esse é o papel que espero que cumpram. Em todo o caso, factos são factos. E o facto é que o meu corpinho não aguenta um jantar com dois copos de sangria branca e o mojito que bebi a seguir no Bairro Alto. Também se deu mal com isso de me deitar às 04.00.

É triste. Uma pessoa passa os vinte anos a treinar noitadas e copos, é capaz de aguentar diretas. E para quê? Para chegar aos 37 e três fihas e passar o sábado em estado de coma. Nem foi a bebida. O dormir pouco é que acabou comigo. O senhor com quem me casei e que esteve em outro evento não estava melhor. Foi um bonito dia em família. Não sei como é que os alcoólicos fazem mas eu aderia aos 12 passos só para não ter aquela sensação de que um alfinete a cair no chão incomoda. E, pronto, é isso. Estamos de férias. Não sei se já disse. E já voltámos a ser aquelas pessoas normais que passeiam aos domingos e vão comprar iogurtes.

 

E, entretanto, o meu pai fez anos

Não vou dizer quantos porque ele não gosta. Vinha só cá dizer que uma rapariga cresce e fica parecida com a mãe mas também há muuuuuita coisa que vai buscar ao pai. Podia falar nesse formato de unhas medonho que herdei mas prefiro concentrar-me nisto: ele adora mostrar as suas netas onde quer que vá. E eu também. O meu pai fica babado se elogiam as netas. E eu também. Este aniversário, escassa em ideias, voltei-me (de novo) para as fotos do Natal. Imprimi uma caneca. Não ficou exatamente como queria mas gostei da reação do presenteado. Em lugar de a querer guardar para mais tarde recordar, diz que a vai usar. Era mesmo isso que eu queria que ele fizesse.

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