É preciso tempo para ser boa mãe. É preciso tempo para ser boa jornalista. É preciso tempo para ser mulher. É preciso tempo para ser filha. É preciso tempo para ser amiga. É preciso tempo. Nunca imaginei chegar o dia em que perceberia, letra por letra, o que significa “precisar de tempo”. Mas essa ideia caiu em cima de mim como um pedregulho no verão. Precisar de tempo é a vida toda resumida numa frase.
Eu tinha acabado de fazer 41 anos, aquela idade em que a pessoa é efetivamente adulta, não há margem para erro. Nem a minha avó de 90 anos me acha mais uma menina. Eu sou uma mulher. É bom isso. Exceto quando percebemos que tudo o que ficou por cumprir ficará assim mesmo. Por cumprir. Não vamos fazer o sinal de visto nessa lista mental de coisas importantes a que associamos o nosso nome. Talvez, ok, alguns de nós ainda venham a realizar alguns desses planos, mas serão uma minoria. As coisas grandes que eu sonhei (talvez nem sequer tão grandes assim) vão ficar para trás. Nos últimos meses fiz o luto de tudo o que vai ficar por fazer. Algumas coisas eram importantes, porque com elas eu seria outra pessoa que já não vou ser. Como elas não vão realizar-se, e é a primeira que ponho as coisas assim, preto no branco, preciso (ainda) de o dizer muitas vezes porque dá pena abrir mão desses... sonhos. (Ou perceber que nunca vão passar disso).
Sou aquele desenho de “O Principezinho”: a cobra que comeu um elefante e agora parece um chapéu.
Está a custar. Mas adiante. A vida é assim mesmo. É o que é. E, imagine-se, não é o fim do mundo. É. É uma nova vida. E na nova vida eu preciso de tempo. Não para o que já não vou fazer, sim, mas, sobretudo, para o que já não quero fazer.
Não quero ser uma pessoa que anda à pressa, não quero fazer as coisas a correr, não quero ser uma maníaca da produção, não quero ter 30 coisas na minha agenda, não quero uma lista enorme de tarefas que me obrigam a correr de um lado para o outro. Para fazer muito é preciso fazer pouco. Assim. É preciso fazer pouco para fazer bem e, fazendo bem, passar à próxima etapa deixando a precedente bem fechada. Quero fazer nada. Quero que as minhas filhas façam nada. E nesse fazer nada executarmos apenas o que é realmente importante.
Como sempre acontece quando pomos pontos de interrogação nas nossas dúvidas, as respostas aparecem. A mim apareceram-me nas palavras e vidas das outras pessoas:
- Numa palestra/espetáculo chamado “Conversas Sérias”, Marta Gautier, psicóloga e humorista, fala de como baixou o volume na sua vida, procurando entender o vazio que sentia. De como, e porquê, decidiu tirar os filhos das atividades extra-curriculares porque quando punha a chave à porta já os odiava, de como deixou de comparecer a eventos de familiares e amigos, de como abdicou de privilégios. Não tenho nenhuma intenção de fazer essas coisas, tal como não me interessa a meditação ou qualquer coisa de espiritual ou religioso que se possa ler nestas palavras, mas, como aconteceu há cinco anos quando a ouvi falar de crianças e de como não temos de as tratar como flores de estufa temendo que fiquem traumatizadas, porque vão ficar, revejo-me nesse desejo dela de ter uma vida com menos coisas, mesmo que tenha de abdicar de algumas que hoje me fazem, e sempre fizeram, feliz. Todas materiais, por acaso.
- Numa entrevista com uma curadora de arte que me explicou que, apesar de amar o teatro, sempre que tinha de fazer um trabalho na universidade se virava para a arte contemporânea, a sua paixão dos tempos livres. “Não se deve desprezar o que o ócio nos dá”.
- No elogio da lentidão que é o trabalho da artista argentina Claire de Santa Coloma, vencedora do prémio Novos Artistas da Fundação EDP, cujas esculturas de madeira, quase rudimentares, são, palavras dela, “quase um ato de resistência” numa época em que temos de andar sempre rápido, mas em que “continuamos a pensar à mesma velocidade de sempre”. Fiquei muito tocada com o que ela disse.
E só para me incluir nesse grupo de lentos louváveis, para ser completamente honesta, passaram mais de dois anos desde que pensei neste assunto – em como é importante FAZER NADA – depois de uma conversa com a Cecília em que ela disse: “As crianças precisam de ter tempo para fazer nada e se confrontarem consigo próprias”.
A arte de fazer nada
Muitas coisas na minha experiência como mãe dizem-me que eu partia (e parto) dos pressupostos errados. Por exemplo, querer que façam coisas, preencher os dias. Além de se cansarem, não desfrutam, não pensam sobre o que está feito. Dizer isto não é parte mais complicada. Perceber como crescem melhor por estarem uma semana em casa a ver os filmes que gostam e não num atelier é fácil. O que é difícil é executar, pois, como todos os pais notam, as crianças são como esponjas e dá pena não aproveitar essas capacidades todas.
Passa-se outra coisa: quanto mais ignorantes somos mais queremos que os nossos filhos aprendam (falo no plural, mas é de mim que se trata). Talvez tudo isso seja desnecessário, porque, antes de mais, eles precisam de descobrir o que lhes dá prazer. E, para isso, precisam de fazer nada. E fazer nada é bastante diferente de não fazer nada. Na minha cabeça, pelo menos.
Fazer nada é procurar, observar, pensar.
Não fazer nada é deixar que outros decidam o que vamos fazer. Mandam-nos e nós vamos. Vamos para a sala, vamos para o quarto, vamos para a ginástica, vamos para a natação, vamos para o inglês, vamos às festas, vamos, vamos, vamos... Para quê? Para estarmos à altura de variáveis que simplesmente não controlamos: o futuro, o mundo.
Claro que se as crianças não souberem ler não podem enfrentar o mundo, mas há uma desproporção (palavra-chave) entre o que é essencial e o que se obriga os miúdos a aprender com base no “vão precisar”. Talvez nós tivéssemos “precisado”, mas será que os nossos filhos precisam?
Tento ver-me de fora como mãe e depois observar o que se passa à volta. Como explicar que as duas pessoas mais cosmopolitas que conheço, e das mais bem preparadas intelectualmente, vivam no mesmo bairro onde cresceram?
Podia continuar a elencar as muitas coisas que ouvi nos últimos meses. Do chef que diz que é preciso tempo para comer e para escolher o que se come, às pessoas amigas que partilham esta ideia de que é preciso levar uma vida tranquila. Das combinações para desmaterializar presentes de Natal às leituras aleatórias que posso fazer na internet. Posso falar de slow living, mas, a sério, eu nem quero pôr nome a esta ideia de reclamar tempo, porque estraga tudo, estraga o barato, leva-o para dentro do sistema e a mim parece-me, no fim de tudo, que a única coisa que estou a dizer é que é preciso viver como humana, dando tempo ao que precisa de tempo e, mais do que isso, dando o tempo certo a cada coisa. Viver aqui, viver agora.
Fomos no sábado ao Oceanário com o pai. A mãe foi ao jornal para trabalhar. Vimos imensos tubarães e muitos peixinhos coloridos e dois sapos, um peixe-balão, pinguins. Não vimos tartarugas, porque estavam a dormir nas suas casinhas.
O segundo sapo tinha manchinhas pretas e o corpo amarelo.
Eu, o pai, a Teté e a Quica, quando fomos ao Oceanário, vimos que os tubarões tinham dentes afiados. E os dentes bicudos. Não é como os das pessoas que são assim lisinhos. É mesmo afiadinhos como um lápis.
Também vimos a casa do Vasco, o mergulhador do Oceanário.
Foi uma visita longa, e vimos o Vasco a nadar. Nós não vimos a cara do Vasco porque ela estava de costas.
Quis tirar uma foto com o Vasco mas o pai não deixou porque estávamos muito atrasados para ir para casa.
Assinado por Madalena*
Lá havia tubarões e pinguins.
Assinado por Teresa (um contributo precioso mas a que não vou chamar ainda "o primeiro post da Teresa")
*Desta vez tentei compor mais o texto, houve um longo debate sobre o sentido da segunda frase. Expliquei algumas coisas sobre a repetição de ideias e do uso da palavra "quando". A certa altura achei que se estava a perder a espontaneidade e desisti. Uma das minhas partes preferidas é dos dentes das pessoas serem lisinhos e os dos tubarões afiadinhos como lápis, que ela, justamente, achava que não era para escrever.
A partir de hoje tenho, oficialmente, dois afilhados com 11 anos. O-N-Z-E. Txiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Lembro-me como se fosse hoje.
O Rafael nasceu no dia 13 de março e o Ricardo juntou-se-lhe cinco dias depois. Estava em Barcelona quandoa notícia me chegou. E nunca me vou esquecer da voz do pai do Ricardo, embargada, a falar comigo. Pensei: "Isto de ser pai/mãe deve ser mesmo do outro mundo". Os meus maravilhosos afilhados, filhos das minhas maravilhosas primas, já têm 11 anos. Maravilha!
Apesar do que possa parecer o último post, e de até achar que a Francisca pode ter sentido a nossa falta durante a última semana, tenho 99,9% de certeza que fizémos bem em não a levar. Admiro imenso as pessoas que levam os filhos para todo o lado -- sol, neve, caminhadas intensas e o diabo a sete -- mas isso não é para nós. Sentimos muito a falta dela, claro, e não a ter por perto foi o pior, mas não vou estar aqui a chorar e a fazer de conta que isso me 'cortou o barato' ou que passei noites em branco por causa disso porque não é verdade. Houve saudades, sim, e ficava nostálgica quando tirávamos fotos a quatro, mas isso é natural. Dentro das circunstâncias, acho que até estivémos bem calmos. Porque a Quica estampou-se e partiu a cabeça.
Na sexta-feira, isto é, dois dias antes da partida, quando chegávamos da pediatra, houve encontro imediato de primeiro grau entre a nossa bebé e uma esquina na garagem da nossa casa. Um acidente estúpido como todos os acidentes.
A Teresa deu-lhe um toque e ela caiu. Teve o azar de ter a esquina à frente. Quando a levantei, havia sangue por todo o lado. E um corte tão grande que nem conseguia olhar. Subi o elevador com ela, pus-lhe uma toalha, chamei o INEM com a ajuda a M., enquanto ouvia a Teresa chorar, aos guinchos, na garagem, e a própria Chiquinha chorava de dor e de susto.
Por mim tinha desatado a chorar e berrar também, mas uma coisa que tenho percebido quando há acidentes é que é fundamental manter a calma. Devo ter parecido tão tranquila que o INEM passou a mensagem errada à ambulância. Disse que se tratava de uma pessoa de 16 anos! A espera pareceu-me uma eternidade e o sangue parou de correr entretanto, o que só me deixou ver melhor o tamanho da ferida. Horroroso...
No S. Francisco Xavier fomos atendidos pelos profissionais mais jovens que já tinha visto. Tinham pouca experiência, era evidente, mas também eles pareciam calmíssimos com o assunto. Puseram cola, deram indicações básicas e aí, sim, começámos a fazer perguntas: E agora? Como é que era? Nós com uma viagem marcada e a nossa filha mais pequena, a que não ia, com a cabeça partida. "Têm três filhas e ainda ficam assim?", perguntou o médico. Passou-me pela cabeça ficar, passou-me pela cabeça levá-la. Nada mudou. Quando tudo acalmou percebemos que não havia grande coisa a fazer. E com os cuidados da sua avó, que lhe pôs betadine três vezes por dia e a levou ao centro de saúde para 'fazer o penso' (bonita expressão), a Quica tem a ferida quase boa [suspiro de alívio].
A ferida mais difícil de sarar é a da Teresa. Ontem, quando entrámos no elevador da garagem, perguntei-lhe a fazer conversa: "Teresinha, lembras-te do qeu aconteceu à Quica aqui?". Foi como se tivesse voltado ao dia 7. "Eu já lhe pedi desculpa, eu já lhe pedi desculpa", dizia ela, a soluçar. E tudo por causa de um parvo acidente...
PS: A partir de agora só falo de comida boa e paisagens idílicas.
1. A cara dos pais quando se lhes pergunta quando começa a escola. Se a resposta vier acompanhada da palavra "só" já se sabe que estas estão a ser as piores semanas do ano.
2. Ainda não ter nada pronto.
Já tenho tudo? Não
Roupa marcada? Não.
Termos marcados? Não.
Sacos com mudas e roupa de sesta? Não.
Mas, só para não parecer um incompetente completa: há mochilas e a roupa que serve do ano passado está lavada, passada e arrumada.
Nem quero imaginar como será quando houver uma lista de página A4...
Já não há pachorra para bebés. As três filhas que tive nos últimos cinco anos habilitam-me a dizê-lo com propriedade. Não é pelas crianças (descanse a segurança social). É por causa da filosofia de loja de chineses que uma pessoa tem de aturar. Das pessoas que não têm filhos e acham que podem opinar (comigo escusam de tentar), dos que acham que só os filhos deles é que fazem birras que não incomodam (ah, ah, ah), dos pró-amamentação, dos anti-amamentação, dos que querem educar na felicidade, dos que querem firmeza e regras, e - a última moda - dos defensores da teoria 'mãe feliz, bebé feliz'. Esta então... Estou capaz de sentir os enjoos que as minhas crias nunca me deram (ai, parece que não é fino dizer crias).
O que se supõe que quer dizer 'mãe feliz, bebé feliz? Há alguma relação em que suponha que a minha infelicidade é fonte de alegria para outra pessoa? Isso sim, seria novidade! Outra pergunta: papá feliz não dá bebé feliz? Avó feliz não é sinónimo de bebé feliz? Se calhar, não. Só funciona para a mãe.
Ou, então, espera, queres ver que esta é mais uma daquelas cenas inventadas pelas mulheres da geração de 70 para chamarem a atenção? Já não basta o dia do casamento, agora também estão à frente de bebés indefesos. Está certo que também não vamos agora voltar ao modelo da mãe mártir que se mata em trabalhos pelos (ingratos) filhos, mas será mesmo necessário querer fazer da maternidade uma história de passeios bucólicos em carrinhos de design, roupas em tons suaves e fotos queimadas no instagram (uma amiga chamou-me a atenção para isto) e todos muito comportadinhos? A que pouco se podem reduzir direitos tão suados. Qual o significado de tudo isto? É egoísmo ou pura chantagem (se não me sinto bem, não me sinto feliz, se não me sinto feliz, não cuido bem do meu bebé, se não cuido bem do meu bebé podem acontecer coisas, logo, pequena criatura e família, o melhor é não aborrecerem muito)? Futilidade é de certeza. Há tanta, tanta superficialidade na maneira como se criam as crianças. Mesmo quando está travestida de waldorf, movimento moderno, vegan, religião. Não interessa a seita. O que une os pais de hoje é esta estranha mania de que até a parentalidade precisa de narrativa. Um miúdo não pode apenas SER. Tem de haver um projeto, uma ideia, um propósito. Parece que se está num concurso para saber quem deu à luz o próximo Einstein ou o próximo milionário. E, de preferência, que pareçamos todos hiperfelizes e saídos das páginas da Vanity Fair. Quando acaba a fase egocêntrica das mães começa a etapa "abram alas, dei à luz o Messias". Que, no fundo, também não passa de egoísmo dos pais ("vejam bem o ser humano que criei!").
Não queria agora vir para aqui citar os Resistência, mas às vezes, tantas vezes, só era preciso lembrarem-nos, lembrarmos, que as crianças não são nossas, nem projeções do que nós gostaríamos que fossem ou do que queríamos ter sido, mas seres humanos únicos e livres e independentes que vão crescer com ou sem ajuda. Nós podemos dar um empurrão, sim, mas o mérito é delas.
Dizem que quando temos filhos revivemos a nossa infância e recuperamos memórias ou o que achamos serem memórias. Não sei se isto é mesmo assim, mas a mim acontece-me lembrar-me de coisas que estavam guardadas cá muito atrás e regressam à medida que as miúdas crescem. Uma que guardo na categoria de "muito boa" é a minha mãe levar-nos ao cinema à Ericeira, ao domingo de manhã, depois da missa, para ver filmes infantis (tipo "Herbie"), antes de irmos para a praia. Não me apetece sequer imaginar o esforço que suporia tal coisa porque levávamos farnel e tudo mas ainda bem que ela o fez porque, a sério, acho que aquilo eram dias mesmo bem passados. Fomos poucas vezes, acho, mas gostei tanto que sonho emular a cena com as miúdas. Dispenso o "Herbie" mas, felizmente, temos muito mais opções. Algumas para lá de bonitas, como a que está a organizar a Zero em Comportamento, no cinema City Alvalade. Basicamente, um mês inteiro, junho, só com o melhor da animação (a imagem é de um dos filmes que vão passar). Faltarão os queques da Casa Gama (são a minha "bola de berlim" estival) e é duvidoso que vamos à praia a seguir, mas algo se há-de arranjar para entreter as miúdas e entrar no calor em grande. E o meu sonho era que reabrissem o cinema da Ericeira. Por pedir...