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Quem sai aos seus

Um blogue para a Madalena, para a Teresa e para a Francisca.

Viver aqui, viver agora

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É preciso tempo para ser boa mãe. É preciso tempo para ser boa jornalista. É preciso tempo para ser mulher. É preciso tempo para ser filha. É preciso tempo para ser amiga. É preciso tempo. Nunca imaginei chegar o dia em que perceberia, letra por letra, o que significa “precisar de tempo”. Mas essa ideia caiu em cima de mim como um pedregulho no verão. Precisar de tempo é a vida toda resumida numa frase.

Eu tinha acabado de fazer 41 anos, aquela idade em que a pessoa é efetivamente adulta, não há margem para erro. Nem a minha avó de 90 anos me acha mais uma menina. Eu sou uma mulher. É bom isso. Exceto quando percebemos que tudo o que ficou por cumprir ficará assim mesmo. Por cumprir. Não vamos fazer o sinal de visto nessa lista mental de coisas importantes a que associamos o nosso nome. Talvez, ok, alguns de nós ainda venham a realizar alguns desses planos, mas serão uma minoria. As coisas grandes que eu sonhei (talvez nem sequer tão grandes assim) vão ficar para trás. Nos últimos meses fiz o luto de tudo o que vai ficar por fazer. Algumas coisas eram importantes, porque com elas eu seria outra pessoa que já não vou ser. Como elas não vão realizar-se, e é a primeira que ponho as coisas assim, preto no branco, preciso (ainda) de o dizer muitas vezes porque dá pena abrir mão desses... sonhos. (Ou perceber que nunca vão passar disso).

Sou aquele desenho de “O Principezinho”: a cobra que comeu um elefante e agora parece um chapéu.

Está a custar. Mas adiante. A vida é assim mesmo. É o que é. E, imagine-se, não é o fim do mundo. É. É uma nova vida. E na nova vida eu preciso de tempo. Não para o que já não vou fazer, sim, mas, sobretudo, para o que já não quero fazer.

Não quero ser uma pessoa que anda à pressa, não quero fazer as coisas a correr, não quero ser uma maníaca da produção, não quero ter 30 coisas na minha agenda, não quero uma lista enorme de tarefas que me obrigam a correr de um lado para o outro. Para fazer muito é preciso fazer pouco. Assim. É preciso fazer pouco para fazer bem e, fazendo bem, passar à próxima etapa deixando a precedente bem fechada. Quero fazer nada. Quero que as minhas filhas façam nada. E nesse fazer nada executarmos apenas o que é realmente importante.

Como sempre acontece quando pomos pontos de interrogação nas nossas dúvidas, as respostas aparecem. A mim apareceram-me nas palavras e vidas das outras pessoas:

- Numa palestra/espetáculo chamado “Conversas Sérias”, Marta Gautier, psicóloga e humorista, fala de como baixou o volume na sua vida, procurando entender o vazio que sentia. De como, e porquê, decidiu tirar os filhos das atividades extra-curriculares porque quando punha a chave à porta já os odiava, de como deixou de comparecer a eventos de familiares e amigos, de como abdicou de privilégios. Não tenho nenhuma intenção de fazer essas coisas, tal como não me interessa a meditação ou qualquer coisa de espiritual ou religioso que se possa ler nestas palavras, mas, como aconteceu há cinco anos quando a ouvi falar de crianças e de como não temos de as tratar como flores de estufa temendo que fiquem traumatizadas, porque vão ficar, revejo-me nesse desejo dela de ter uma vida com menos coisas, mesmo que tenha de abdicar de algumas que hoje me fazem, e sempre fizeram, feliz. Todas materiais, por acaso.

- Numa entrevista com uma curadora de arte que me explicou que, apesar de amar o teatro, sempre que tinha de fazer um trabalho na universidade se virava para a arte contemporânea, a sua paixão dos tempos livres. “Não se deve desprezar o que o ócio nos dá”.

- No elogio da lentidão que é o trabalho da artista argentina Claire de Santa Coloma, vencedora do prémio Novos Artistas da Fundação EDP, cujas esculturas de madeira, quase rudimentares, são, palavras dela, “quase um ato de resistência” numa época em que temos de andar sempre rápido, mas em que “continuamos a pensar à mesma velocidade de sempre”. Fiquei muito tocada com o que ela disse.

E só para me incluir nesse grupo de lentos louváveis, para ser completamente honesta, passaram mais de dois anos desde que pensei neste assunto – em como é importante FAZER NADA – depois de uma conversa com a Cecília em que ela disse: “As crianças precisam de ter tempo para fazer nada e se confrontarem consigo próprias”.

A arte de fazer nada

Muitas coisas na minha experiência como mãe dizem-me que eu partia (e parto) dos pressupostos errados. Por exemplo, querer que façam coisas, preencher os dias. Além de se cansarem, não desfrutam, não pensam sobre o que está feito. Dizer isto não é parte mais complicada. Perceber como crescem melhor por estarem uma semana em casa a ver os filmes que gostam e não num atelier é fácil. O que é difícil é executar, pois, como todos os pais notam, as crianças são como esponjas e dá pena não aproveitar essas capacidades todas.

Passa-se outra coisa: quanto mais ignorantes somos mais queremos que os nossos filhos aprendam (falo no plural, mas é de mim que se trata). Talvez tudo isso seja desnecessário, porque, antes de mais, eles precisam de descobrir o que lhes dá prazer. E, para isso, precisam de fazer nada. E fazer nada é bastante diferente de não fazer nada. Na minha cabeça, pelo menos.

Fazer nada é procurar, observar, pensar.

Não fazer nada é deixar que outros decidam o que vamos fazer. Mandam-nos e nós vamos. Vamos para a sala, vamos para o quarto, vamos para a ginástica, vamos para a natação, vamos para o inglês, vamos às festas, vamos, vamos, vamos... Para quê? Para estarmos à altura de variáveis que simplesmente não controlamos: o futuro, o mundo.

Claro que se as crianças não souberem ler não podem enfrentar o mundo, mas há uma desproporção (palavra-chave) entre o que é essencial e o que se obriga os miúdos a aprender com base no “vão precisar”. Talvez nós tivéssemos “precisado”, mas será que os nossos filhos precisam?

Tento ver-me de fora como mãe e depois observar o que se passa à volta. Como explicar que as duas pessoas mais cosmopolitas que conheço, e das mais bem preparadas intelectualmente, vivam no mesmo bairro onde cresceram?

Podia continuar a elencar as muitas coisas que ouvi nos últimos meses. Do chef que diz que é preciso tempo para comer e para escolher o que se come, às pessoas amigas que partilham esta ideia de que é preciso levar uma vida tranquila. Das combinações para desmaterializar presentes de Natal às leituras aleatórias que posso fazer na internet. Posso falar de slow living, mas, a sério, eu nem quero pôr nome a esta ideia de reclamar tempo, porque estraga tudo, estraga o barato, leva-o para dentro do sistema e a mim parece-me, no fim de tudo, que a única coisa que estou a dizer é que é preciso viver como humana, dando tempo ao que precisa de tempo e, mais do que isso, dando o tempo certo a cada coisa. Viver aqui, viver agora.

 

[Crédito da foto: Nina Leen, Life, 1950]

Reencontro

Está mais alta, com as mãos maiores, mais sossegada, mais despachada, mais faladora. Quer entoar os Parabéns a Você, diz o nome do pai, tenta construir frases como "Manena péna doi-doi" (a apontar para uma borbulha na perna), tem aquelas bochechas rosadas de quem passa tempo no campo. Gostou do livro que lhe trouxémos e pediu que lhe contasse a stoia.  Adorável e linda!

Hoje

Coisas que nos aconteceram hoje:


 


- Estranhei o silêncio prolongado, fui encontrá-la no quarto, sentada na cadeira a ler um livro. Orgulho, orgulho, orgulho!

- Ria-se que nem uma perdida a subir para o sofá do quarto. Fá-lo com imensa habilidade: estica-se, dá um impulso final para subir e depois rola, segurando-se num dos braços; senta-se e depois, a recua até ficar com as costas apoiadas (não vale gozar com esta mãe por celebrar estas 'vitórias').


- Bebeu o leite na nossa cama, a ver os desenhos animados. Super calma.


- Zangámo-nos pela primeira vez. Levou o cadernos dos desenhos e um lápis de cera para a casa-de-banho enquanto a mamã tomava banho. Pô-lo na boca e não o queria tirar. Pedi-lhe para o tirar e depois ela foi-me testando a ver a reacção. Saí da banheira e tirei-lho à força. Ficou tão ofendida que desatou a chorar com lágrimas gordas.


- Fizémos as pazes com umas caretas.


- Despiu a Quiqui e insistiu em levá-la nua para a escola. Mas assim que entrou na sala foi pousá-la na mesa e dirigiu-se, com imensa segurança e certeza, para a roda onde estavam todos a brincar. Fiquei a vê-la da janela e pareceu-me totalmente enturmada.


- Quando a fui buscar, a alegria na cara dela só rivalizou com o abraço que me deu.


 


É maravilhoso, realmente maravilhoso, ser mãe da Mini.


 

O que é mais espectacular?

- Que a Madalena peça para ouvir a música Aqui p'rá Você dos Buraka Som Sistema quando vamos no carro em lugar o Kalemba (Wegue Wegue), apesar do ordineirota que é a canção



 


- Que entoe o refrão dessa mesma música e faça a ponte para o ABC do Rock do CD Panda vai à Escola, compreendendo que ambos versos terminam em



- Que lhe tenha perguntado os nomes dos colegas, me tenha falado do Pedu (Pedro), do Guigo (Rodrigo), da Chuchu (Sussu, alcunha da Sofia), do Bugo (Hugo) ou da Titia (não sei quem é, mas não é a Matilde)


 


- Que lhe diga que vamos ao supermercado, que se vai cansar, que é preciso ter paciência, que a paciência é aguentarmos um bocadinho uma coisa que não gostamos e, uma vez no dito estabelecimento, quando a bomba está prestes a explodir, lhe peça para ter paciência e ela ficar sossegada


 


- Ou que insista em colocar as compras no tapete rolante, em carregar um pack de quatro iogurtes e que tire a tampa de um dos boiões com precisão de adulto sem se sujar nem um bocadinho (em casa lambuzou-se toda, mas no carro não deixou marcas!)?


 


TUDO no mesmo dia.


 


 

Bem se vê que se acaba o Verão

E não o digo porque haja temas quentes em cima da mesa, género Manuela Moura Guedes e o seu programa suspenso da TVI, é mesmo porque já é quase noite às 20.00 e porque as havaianas que me acompanharam estes meses já estão pequenas! Parece que sempre é verdade que nós, os miúdos, somos como as sementeiras, crescemos que é uma disparate em tempo quente. Vamos lavá-las e arrumá-las de recordação. Não só porque nos foram oferecidas pela tia Ana, mas também porque são o símbolo das férias deste ano. Acho que apareço com elas em todas as fotografias. Usei-as para não escorregar na piscina, para andar em casa, para ir à praia... Enfim, é o mesmo Verão que se acaba!


Que também se nota porque hoje os pais compraram-me uns sapatos novos para andar cá em casa. Umas crocs, umas famosas crocs (ok, isto são coisas da minha mãe!). Mas eu adorei-as e pedi para ficar com elas calçadas logo na loja. Pronto, está bem, não pedi-pedi, assim o que se chama pedir, com um "se faz favor" no fim. Foi mais uns gritinhos de menina a dizer "tira, tira, tira. Não, não quer" enquanto a mãe me tentava calçar os ténis... Depois, perguntaram-me se eu queria levar as crocs cor-de-rosa nos pés e eu fiquei calmíssima. Assunto resolvido. De qualquer forma, eles não iam chatear-se comigo por causa de uns sapatos e não podiam resistir. Antes, tinha olhado para o espelho com elas nos pés e soltei um dos meus "Giiiiiija!" - que é gira em madalenês (caso não tenham entendido). E, sim, fico muito gira com as minhas Crocs cor-de-rosa!

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