Notícias abertas: fazer o bem matando os jornais todos os dias mais um bocadinho
A pandemia ainda não era pandemia e Portugal tinha apenas uns 40 casos mal medidos, quando, passeando pelo Twitter, reparei num post que elogiava a decisão do jornal Público de abrir as notícias online por "serviço público".
Naquele momento que agora parece tão longínquo mas que não terá mais de um mês, eu também não achei mal. Pelo contrário. E como marketing, então, achei brilhante - o jornal abria as notícias e, mais do que isso, falava sobre isso. Bravo! Que decisão magnífica, pensou a jornalista que trabalha no Diário de Notícias. Quem me dera que nos tivéssemos lembrado disso.
Dias depois, dizem-me que a paywall tinha caído. Todas as notícias sobre coronavírus estavam agora acessíveis a toda a gente - mais uma vez, "serviço público". Mais uma vez, coro de elogios nas redes sociais. Mas, de repente, a cidadã que já pagava mensalmente a sua assinatura do Público, pensa: "Espera lá! Por que raios estou a pagar 4,99 euros/mês por aquilo que está a ser dado a toda a gente?". Não deveria ser ressarcida?
Mandei um mail para as assinaturas. Responderam que tinham prestado a melhor atenção ao meu mail, mas que estavam a fazer "serviço público". Devolvi a resposta dizendo que se tivessem prestado a melhor atenção ao meu mail saberiam que não estava contra a decisão, mas que achava (e acho) que devia pagar o correspondente. Porque antes do coronavírus, eu já achava que o Público prestava um serviço que me interessava e pelo qual estava disposta a pagar. Estou - ainda - à espera de resposta, sendo certo que agora começam, de novo, a fechar artigos relacionados com coronavírus.
À medida que os dias foram passando, foi crescendo em mim a convicção de que estava a ser prejudicada. E estou. Claro que há artigos fechados para assinantes, a opinião continua apenas acessível a quem paga, mas, infelizmente, eu também só estou interessada em covid-19. Então, por que raios estou a pagar? Esta é, aliás, uma pergunta que se deve fazer não só a este jornal como a muitos outros que determinam o que deve ou não ser de livre acesso aos leitores. Mais uma decisão errada. Não há outra maneira de dizer.
A gota de água foi o editorial do diretor, Manuel Carvalho, uma carta aos leitores e leitoras, apelando ao sentido cívico dos leitores no primeiro fim-de-semana de quarentena: "O propósito desta carta é chamar a sua atenção e apelar ao seu sentido cívico para constatar os perigos que corremos. Com centenas de postos de venda fechados, com as receitas publicitárias em queda acentuada, o futuro do PÚBLICO precisa mais do que nunca do apoio dos seus leitores. Do seu apoio". Isto depois de se ter borrifado para esta leitora depois de já ter ficado com o meu dinheiro. Francamente! Mas, fiquei assim a saber devo fazer caridade quando compro o jornal e não ir à procura de um jornal que me informe.
Apesar do coro de aplausos à abertura de notícias, certamente de quem já não as pagava (o que é triste), era importante refletir sobre estas decisões, sobre a situação difícil em que os jornalistas vão entrar a partir de agora porque as receitas publicitárias entraram "em queda acentuada". Era bom até perder cinco minutinhos a pensar nestas decisões comerciais de dar 'borlas' que nunca passariam o crivo de um regulador da concorrência, e que poderiam até ser manchete de jornal.
O jornalismo é sempre necessário, nem mais nem menos do que agora. A diferença é que perante a avalanche de dados, informação e esta situação tão peculiar em que nos vemos privados de tantos direitos (a coberto da 'boa causa') precisamos de ser ainda mais atentos e vigilantes. Precisamos até de sermos mais a trabalhar.
Uma notícia é trabalho de artesão: demora tempo, exige conhecimento, experiência acumulada, resistência, levar pancada e chatear mesmo quando o ambiente geral é de "vamos todos para casa fazer o bem, cantar à janela e fazer desenhos". É preciso valorizarmos realmente o lugar do jornalismo, o serviço que prestamos aos outros, como escreveu Diogo Queiroz de Andrade. Diogo, que fez parte da anterior direção do Público, diz que falar em serviço público é em hipocrisia, uma opinião que não partilho. Tenho a certeza que quem faz isto se move por boas intenções, mas, como o articulista lembra, a informação é tão necessária como a a comida (e o papel higiénico!) e não deixámos de pagar por eles. Nem pelos medicamentos. Nem pela internet. Nem pela televisão por cabo.
Talvez seja bom lembrar que o dinheiro nem sempre é sujo. Por vezes, é apenas necessário.