O machismo das pequenas coisas
O meu marido está sempre a dizer: jornalismo é escolha.
Jornalismo é escolha.
Jornalismo é escolha.
Jornalismo é escolha.
Escolhemos os assuntos a abordar.
A maneira como abordamos o assunto.
O ponto de vista.
Escolhemos as pessoas com quem falamos sobre os assuntos.
Escolhemos as pessoas com quem não falamos sobre os assuntos.
Escolhemos quando o publicamos.
Escolhemos como começamos o texto.
Escolhemos como terminamos o texto.
Escolhemos a informação que vamos dar.
Escolhemos a hierarquia dessa informação.
Escolhemos as fotografias.
E foi aqui que me parei estes dias. A escrever sobre feminismo a propósito do trabalho de uma investigadora portuguesa e a censurar-me de usar uma fotografia em que ela aparece com as pernas de fora.
A entrevistada tirou fotos com um macação de calções e é uma pessoa muito bonita. Numa das fotos está mesmo sexy, pernas de fora, cabelo penteado para o lado. E eu pus uma foto em que ela está bonita e bem, mas não se vê o corpo inteiro. Porquê? Porque na minha cabeça ela é uma investigadora respeitada e apresentá-la dessa forma retiraria credibilidade ao trabalho dela. Eis a ratoeira: o trabalho dela vale porque vale, e eu sei que vale, e a apresentação dela devia ser a que for. Uma coisa não colide com a outra, a não ser entre mentes mesquinhas, e eu sei disso, porque acompanho o trabalho. E, no entanto, cedi, achando que não me cabia a mim desafiar as regras do que é suposto uma universitária parecer -- sisuda, séria, sem corpo.
É isso o machismo das pequenas coisas, a que só podemos fugir pensando nele e explicando aos que chegam a este mundo que o rigor científico não sai beliscado pelo uso de calções.