MEC: Minha especial companhia
Num dia qualquer do início do verão, pus-me a ler a entrevista que Miguel Esteves Cardoso deu ao Público.
Havia qualquer coisa de bizarro nisso de um cronista da casa ser entrevistado para o jornal em que escreve, mas a entrevistadora, Bárbara Reis, agarrou-me logo no primeiro parágrafo com a história da campaínha avariada e da chave da porta que MEC desce por uma corda num cestinho desde o primeiro andar. (Será estratégia piedosa para afastar os indesejados?)
Eram três páginas de entrevista e cheguei ao fim num ápice. Que porcaria de entrevista, pensei. Faltam imensas perguntas importantes!
Não faltam. Eu é que gostei tanto que leria mais três páginas sem esforço.
Os dias passaram e as respostas de MEC continuaram a ecoar. Nenhuma má conversa perdura na nossa memória se não tiver qualquer coisa de bom. As boas entrevistas precisam de maturar e o entrevistado, decerto, concordaria.
Fiquei a ruminar no que MEC diz sobre a necessidade (e obrigação) de escrever todos os dias, conselho que vale tanto para os bons como para os maus escritores. Sobre os temas que escolhe, sobre o alívio quando morre a celebridade do dia e o assunto se resolve.
MEC escreve todos os dias, faça chuva ou faça sol, feriado ou dia santo. Escreve sem assunto ou agenda, em busca do que dizer. É obra!
Pus-me a ler e a ler. Nas férias, as crónicas de MEC foram a minha companhia literária. Terei lido um ano inteiro daqueles pouco mais de 1500 caracteres x 365 dias. Depois o livro que compila muitas outras.
Quem diz que MEC já não é MEC é cruel. Acharia, talvez, que ele não podia/devia mudar (riscar o mais conveniente).
Quem diz que ele vive entre Colares e a Praia Grande é injusto. Quem nos dera a todos termos horizontes tão largos quanto ele. Nota-se que é ali que vive e que é daí que vê o mundo. E...?
MEC acha-se um excelente escritor e tem razão. Consegue dizer muito em poucas palavras e parecendo que é fácil. Invejo-o.
Passei vários anos a ler a coluna do MEC ao sabor do título. Fiz mal. O que escreve vale a pena e não se pode perder pitada.