Isso que chamas "de Mafra", eu chamo de pão
"Mãe, sempre que passamos aqui dizes isso". Estamos a passar na estrada que vai dar à minha antiga escola primária e elas têm razão. Digo sempre: "Era aqui".
A parte má das férias nos sítios onde crescemos é que estamos sempre a ver as coisas antigas onde os outros só observam as novas. Aqui era a pastelaria Solmar (eu acho que era esse o nome, mas a memória pode trair-me). Que lindo trabalho fizeram no Parque de Santa Marta! Como se atreveram a cortar o trânsito nesta rua? Este restaurante é muito bom! E histórico! Depois não é e passo duas vergonhas - a de ter arrastado as crianças e o pai e a de me desiludir. Ah! Mas a Ericeira está cada vez melhor!
A parte boa, mesmo boa, de passarmos férias onde crescemos é sabermos o agora e o antes. Por exemplo, quando ainda havia lugares de estacionamento de sobra no largo ou que n' O Basilinho há de tudo. Compreender por que razão é tão bom sentar no Salvador a beber café - simplesmente porque é onde o meu pai sempre foi no dia de folga (à segunda) beber o seu galão. Ou descobrir que algumas coisas não têm nomes porque se apenas essas existiam para quê dar-lhes outro nome?
Eu era adulta, e bem adulta, quando descobri que o chamo de pão é afinal 'de Mafra'. Lembro a estranheza quando alguém falava de Pão de Mafra: Há um pão de Mafra? Nunca comi, como é possível?
Este fim de semana fui correr à ribeira. E a ribeira, aqui, devia ser a Ribeira, porque nunca conheci outra.
Lá estava a fonte e o tanque - muito pouca rigorsamente chamado de 'rio'. Corre apenas um fio de água, as pias, negras de sujas, são muito mais pequenas do que me lembrava. Também é sempre assim: as coisas da nossa infância são sempre muito mais pequenas do que nos lembramos. Estão a ser devorados pela erva, mas não estão caídos nem tão mal pintados de branco (e barras azuis) que se pense que estão ao abadono (é bom isso), mas já ninguém os deve usar. Quando era pequena ainda se usava lavar a trouxa no tanque.
Foi no regresso a casa que pensei que a Ribeira teria um nome. Graças ao Google Earth, descobri que se trata do Rio Lizandro - que nem ribeira é. Tão óbvio que serei certamente a única que nunca fez a associação mas, quero acreditar, que necessidade havia de nomear o que era a sua definição?