Hillary vs. Trump
Nunca vamos saber como é que nós, pessoas que acham Trump um palhaço e escolhiam Hillary no boletim de voto sem pestanejar, estamos a prejudicar o que consideramos ser o caminho do bem. O raciocínio é este:
Vamos imaginar que estou descrente na política e que a opção que me dão é Hillary Clinton. Só na comparação é que esta senhora se safa. Porque ela é muito má.
Um americano que conheci há um mês dizia-me "ela não vale nada". Mas ia votar por detestar Trump e ver nele o que está à vista - ausência total de uma ideia ou um projeto, ignorância política e outras falhas de curriculo.
Depois de ter ficado muito espantada com as palavras dele, calhou ver em direto o terceiro debate Clinton/ Trump. Ela esteve péssima. Entre outras coisas, não foi capaz de explicar por que razão foi paga por uma multinacional de energia para dar uma conferência onde tinha dito exatamente o contrário daquilo que se propõe fazer como presidente, por exemplo. Atrapalhou-se em muitas respostas. Percebi, finalmente, o que o senhor americano queria dizer.
Mas já ninguém pensa nisto de forma distanciada. Sem que se pense muito escreve-se que Trump é ridículo e perdeu e que Hillary é ok e ganhou. Na manhã seguinte, as notícias dos jornais falavam em claras vitórias de Hillary, mas ela não esteve melhor do que ele, porque neste debate eles responderam a coisas diferentes, mais dirigidas a cada uma deles. Ele esteve mal, como de costume, mas ela também.
E isto vem ao caso para dizer o seguinte: parece que há mesmo muitos, muitos eleitores que estão a ver uma pessoa que patina em respostas simples, uma mulher do sistema que já lhes falhou e não querem votar nela. Da mesma maneira que eu digo "como é que podem votar no Trump?", uma parte da América pergunta "como podem não ver que ela tem pés de barro?". Então, sempre que chamamos burro ao Trump estamos a insultar as pessoas que se sentem enganadas pelo sistema e que, achando que há um mundo contra elas, reforçam o apoio a um candidato xenófobo, racista, violento, egoísta, sem sentido de Estado. Para eles, Hillary é a manutenção do status quo que já falhou. Votar em Trump é uma espécie de lição que querem dar.
Não resulta, claro.
Não podemos mudar as regras da democracia porque um louco se candidatou. Só podemos pôr evidência as suas contradições com muita força e, talvez, só talvez, deveríamos mostrar menos interesse pela sua figura mediática, que é, sem dúvida, mais interessante do que a dela. Já vi na capa de um jornal noticiarem que Clinton ia à frente nas sondagens com a foto dele em maior destaque. Isto não é culpa dos jornalistas, não é teoria da conspiração. É o espírito do tempo. Pessoas como Trump estão para os media como a luz para as borboletas.
Sobram-me dúvidas, muitas dúvidas, sobre a real utilidade de uma tomada de posição a favor de Clinton como fez o New York Times. Será que tomar essa posição, sensata em si, não é mais uma acha na fogueira dos que se sentem abandonados pelo sistema e, por isso, mais uma razão para apoiar Trump? Não é dos New York Times, dos intelectuais, da América sem armas que fogem os apoiantes de Trump.
Não tenho dúvidas sobre quem é melhor, só tenho dúvidas sobre como o apoio que lhe é dado reforça as convicções de quem não gosta dela.