Enquanto dormia...
[Hoje o título é gamado ao mail que o David Dinis envia todos os dias de manhã, 360º]
... Punha notícias no site do costume. Cheguei a casa a desoras e na segunda-feira, às 09.00, já estava com as mais novas na escola. Andei por aí a fazer recados em vez de dormir (note to self: não voltar a marcar "coisas" para as folgas) e a dar tempo às crianças. Eram 18.45 quando parei o carro no ténis. Faltavam 15 minutos para terminar a aula da Madalena. Pus o banco do carro para trás e pensei "vou dormir só um bocadinho". Acordei sobressalta às 19.15. A minha filha, a minha filha. A aula já tinha terminado... Estava muito necessitadinha de uma soneca... Faltava pouco, muito pouco para poder dormir uma noite inteira de sono, pensei eu.
À 01.00 da matina ouvimos o som de um cão a ladrão vindo do quarto da Teresa e da Quica. A Té estava com laringite (já conheço a léguas, consigo fazer o diagnóstico na boa). Não conseguia respirar, piava. Abrimos o frigorífico e a porta da cozinha. Ela apanhou o fresco da noite ao colo do pai enquanto a mãe falava com a Saúde 24. Aconselharam-nos uma ida ao hospital da Estefânea. "Se quiser informamos que está a caminho". E, pronto, lá fomos. Ela, entusiasmada com a ideia de ir ao médico, e eu, mais ou menos tranquila porque se tinham avisado havia de ser rápido.
Ainda não eram 02.00 e já tínhamos feito a triagem. A pulseira verde dizia que não éramos urgência mas não havia problema. Deviam estar uns três meninos para serem atendidos. Fomos para a sala de espera e ficámos perto da porta para a Teresa ir apanhando ar. Desistimos nem cinco minutos depois. Três pessoas de bata branca foram para a entrada fumar e dizer mal do trabalho embalados pelo som de uma Ford Transit que ficou a obstruir o caminho ligada, deixando um cheiro pestilento no ar. A Teresa foi para a outra sala e esta-aqui começou a reparar nos pormenores. Nenhuma das duas salas de espera estava particularmente limpa. Ninguém era chamado para os gabinetes. Os pais, todos a caírem de sono, começaram a impacientar-se. Primeiro implicámos com as crianças, depois uns com os outros, finalmente fomos ao guichet. Faltavam três pessoas. Um urgente e dois meninos com pulseira verde. Continuavam sem chamar ninguém, exceto para a triagem.
[Um casal começou a discutir enquanto lá estávamos. Ela dizia que tinha ido para o hospital porque a mãe dele tinha insistido que deviam ir e que ela achava que não valia a pena e que queria que a filha dormisse. Era o caso urgente. Discutiram. Ela virou-lhe as costas e foi ao carro. Voltou. Tornou a ir. Regressou. Repetiram os mesmos argumentos. Ele irritou-se, ela também. A criança estava efetivamente com sono e incomodada. Andou de colo em colo. Nunca se largaram, apesar de estarem chateados. A bebé quis comer, a mãe deu-lhe maminha. Devia ter pouco mais de um ano. Foram os primeiros a serem chamados. Eram 02.40, talvez um pouco mais. Primeiro foi o pai, depois entrou a mãe. Pareceu-me que ela o queria castigar por estarem ali naquela altura].
Uma mãe foi perguntar a que horas ia ser atendida. Estava à espera há mais tempo do que eu. Disseram que nos iam chamar. Pedi o livro de reclamações e escrevi ponto por ponto o que estava errado.
Às 03.00 começaram a chamar. Às 03.20 tinham atendido todas as crianças, incluindo a Teresa que, segundo a médica, "ficou bem entretanto". Fez um corticóide, disse-me que não ia dar adrenalina para não estarmos ali mais tempo e mandou para casa com a indicação de voltarmos se piorasse (uau! quatro anos de medicina para me dizer que se os sintomas me parecerem incontroláveis devo procurar profissionais). Completei a reclamação observando que tínhamos esperado tanto para depois todos serem atendidos de sopetão.
Compreendo que seja muito duro ser profissional de saúde hoje em dia mas o que se passou não tem a ver com dinheiro ou a crise ou as más condições de médicos e enfermeiros. É desleixo e pouco empenho. Podiam ter atendido todas as crianças uma hora antes, mas não. Deixaram-nos a secar sem nos oferecerem explicação. Tinha o hospital em melhor conta. Mas se calhar sou muito exigente e os médicos do Serviço Nacional de Saúde querem fazer o favor ao PSD e dizer que a saúde pública é só para quem não pode mesmo ter seguro...