Acordar e o meu país ser campeão europeu de futebol. Nunca acreditei
Foto com tudo lá de Gerardo Santos para a Global Imagens
Era, afinal, premonitória a escolha de "Tudo o que eu te dou", de Pedro Abrunhosa, para hino da seleção. A canção passou ao lado do Euro 2016, mas contém, no original, o verso que conta: "um homem também chora quando assim tem de ser". Chorar quando é preciso é a melhor qualidade de Cristiano Ronaldo. Ele é um bebé chorão. Chora de frustração quando perde o Euro 2004, chora de emoção quando ganha a Bola de Ouro, chora quando passa à final, chora quando se magoa, chora de alegria quando ganha e é tão transparente o que está a sentir que só podemos sentir com ele. Ontem, aquele momento em que ele cai, desamparado mas consciente, gelou o coração. E aquelas lágrimas enquanto passava a braçadeira de capitão foram completamente claras: se havia alguém que merecia jogar aquele jogo todos sabemos quem era.
Um colega, o Pedro, escreveu algo incrível no seu facebook durante o jogo: que assim a vitória tinha tudo para ser ainda mais épica. E foi. É assim. Com os portugueses é assim. Tinha de ser tudo sofrido, espremido até à última gota de suor. E foi mesmo épico. Aquele golaço do Éder, o nosso patinho feio, foi tão extraordinário que se Fernando Santos já não fosse um homem de fé, ter-se-ia convertido naquele momento.
Uns bons 10 segundos antes, o António, cá em casa, diz: "foi golo". Estava a ouvir o que se passava na rua. Era mesmo: um ruído avalassalador. Levantámo-nos e esperámos (deu para isto tudo, imagine-se). E vimos aquele míssil do Éder, que quase o desconjuntava todo, confirmando que os gritos eram mesmo dos nossos. Só nessa altura comecei a acreditar que talvez fosse possível.
Nunca pensei ser possível um dia acordar e o meu país ser campeão europeu.
Em 1998, estudante de Erasmus em Lyon, fui com duas colegas espanholas ver o ambiente à saída do estádio Guerlain depois de um jogo. Queria ver as pessoas entusiasmadas com o futebol ao vivo, não apenas na TV. E lembro-me de dizer "nunca estaremos aqui e nunca organizaremos um grande campeonato, por isso deixa-me ver como é". Fico contente por ter falhado todas as previsões. Fizémos o Euro 2004 e hoje seguramos o caneco. Caramba!
Sinto-me feliz com o resultado mesmo que digam que os nossos jogos não foram bons. A História há de fazer-nos justiça. Talvez não tenha sido lindo, mas foi eficaz (o treinador soube ler as partidas e fazer as mudanças). Talvez tenham faltado golos, mas há três belíssimos (calcanhar de Ronaldo, o de Renato Sanches e o do Éder). Talvez tenhamos tido sorte, mas ninguém nos ganhou. Talvez seja injusto, mas nós também nos lembramos de 2004 e de umas meias finais a pénaltis com a Espanha. Mesmo para quem não entende de futebol, a estatística não engana. Há anos que esta seleção andava atrás deste resultado. E acreditou. E dos 23 convocados Fernando Santos pôde usar quase todos. Era sempre possível fazer um bom 11 quando alguém falhava. É bom também lembrar as coisas práticas (e técnicas) quando começamos a ficar dominados pelo misticismo.
E, finalmente, o que me orgulha mesmo é que nunca desistiram. Não desistiram quando viram Ronaldo no chão, quando o viram sair, quando perceberam que tinham o árbitro contra eles, quando tiveram de ir a prolongamento. E CR também não desistiu. Como alguém disse ontem: foi o melhor em campo tendo estado fora.