31 de Janeiro, 14h40
Há um ano atrás estava deitada no bloco 3 do hospital CUF Descobertas. Era quinta-feira, estava frio mas sol, e estavas tão agarrada à mamã que foi preciso um forcep para te fazer sair. Baixaram o pano verde que tapava a cesariana e marcar a tua chegada. Não te consegui ver, mas olhei bem para o relógio: 14h40.
Ouvi-te chorar enquanto a enfermeira preparava a tua primeira roupinha. Babygrow cor de rosa, calcinhas e body brancos, e um gorro às flores. "E agora o que é que eu faço? Este gorro é tão giro!", dizia a enfermeira Sofia, que, toda despachada, te pôs o gorro rosa do hospital e por cima o teu.
Trouxe-te para o pé de mim e encostou-te à minha cara. Tão pequenina, branquinha e perfeitinha. Dei-te um beijinho. Estavas de olhos fechados, a fazer aquele ar de "não incomodar, se faz favor" que ainda hoje fazes. Dei-te um beijinho e foste para o berçário.
O pai estava na sala de espera a ler a "Sábado" e não deu por nada. O Dr.. Pedro entrou por ali dentro, ainda de pijama verde e máscara, e disse "O que é que está aqui a fazer? A sua filha já nasceu!"
Não temos essa revista. Foi para o lixo por estar demasiado amarrotada, o que é uma estúpida ironia, tendo em conta que foi a única coisa que lemos, apesar de termos parado de propósito na Repsol da Expo para comprar todos os jornais que tinham saído nesse dia para mais tarde recordar e não termos lido nem uma linha de nenhum outro. Não me lembro de nada que se tenha passado nesse dia.
Talvez seja porque no dia 31 de Janeiro de 2008 não aconteceu nada de importante, a não ser o teu nascimento. E acredita que tentei. Acordei às 07h00 para comer, tomar banhoca e respirar todo o ar que pudesse do meu último dia sem filhos, e estive a ver a SIC Notícias, mas não me lembro de nada. Não me lembro mesmo. Mas lembro-me de ter pensado: deixa-me fixar isto para depois contar à minha filha. E lembro-me de descer as escadas da casa antiga - a tua primeira casa - com o saco azul do pai e as roupas do três lá dentro. Antes de ir ao hospital passámos pela pediatra e fiquei a achar que era destino porque ela só dá consultas à tarde e nesse dia, excepcionalmente, pediu para irmos de manhã. E como se não bastasse, a senhora de recepção fazia anos nesse dia e ficou com cara de twilight zone quando lhe dissemos a tua data de nascimento - ali estava uma mulher a explodir de grávida a dizer-lhe a data de um nascimento que ainda não tinha acontecido.
Às 11h00, como planeado, estava na recepção do hospital. Não houve gritos, nem carros em alta velocidade com os quatro piscas ligados, nem contracções, nem nada. Apenas: "Venho ter um filho".
Houve momentos engraçados, como a avó ligar e a mãe lhe dizer que estava a chegar ao hospital e já estar na maca ou a anestesista que parecia uma esquiadora polaca que tratava mal quem que lhe aparecia à frente e a sua partner, a enfermeira que queria que eu fizesse o parto com umas cuecas descartáveis na cabeça. Abençoada enfermeira Sofia que chegou entretanto com uma touca esterilizada. Ou o ataque de comichão e borbulhas que senti na cara quando fiquei sozinha no recobro a chorar porque tinhas nascido e já eras pessoa.
Mas de tudo, de tudo mesmo, se tivesse de escolher um momento, O MOMENTO, queria ficar com aquela imagem do pai a empurrar o berço e a trazer-te para junto de mim. Por fim, estávamos os três. UMA FAMÍLIA.