Teletrabalho e aulas a três crianças. O único milagre que veremos em 2020
Como é teletrabalhar e ter as crianças em casa a estudar? Em anterior post disse que haveria de escrever sobre esse assunto e foi esta semana no DN. Deixo aqui:
"Escrevo sobre como é teletrabalhar e ser mãe de três crianças a estudar em casa, sim, mas só depois de ter revisto o que ficou para trás da escola". Este texto começou assim, esta manhã de segunda-feira, enquanto mandava um olhar furibundo à minha filha mais velha, 12 anos, para que fosse estudar e não demorasse quase uma hora a tomar o pequeno-almoço. Ao mesmo tempo, ligava a do meio, 9 anos, a uma aula síncrona no Microsoft Teams e com a outra mão sentava a de 7 anos, aluna do 1.º ano, no banco para começar a trabalhar ao meu lado na sala. "Tenho mesmo de estar aqui?", perguntou ela. Apetecia-me devolver a pergunta: E eu, tenho mesmo de estar aqui?
Bem sei, caro leitor, que nada tem a ver com os problemas que afligem esta mãe que antes do estado de emergência se sentia culpada por estar pouco com as filhas e agora, com tanto tempo de qualidade, se desgasta com ralhetes porque não sabem a tabuada, dão erros ortográficos ou não sabem os meses do ano. Concordemos neste ponto: já seria difícil ensinar sem ser professor. Mas teletrabalho e ensino a distância é o que teremos de mais parecido com o 13 de Maio em 2020.
À mesma hora que o DN fazia chegar aos vossos computadores e telefones os números de infetados com covid-19 em Portugal, a minha filha do meio entrava sala adentro para me pedir contas: "Não me avisaste da hora e a aula já começou". Nota para mim própria: pôr alarme para ela saber quando tem de entrar na videochamada. Entretanto, e porque não usam a Telescola, a aula da mais nova também já tinha começado! O telemóvel - onde controlo as várias turmas - não parava de vibrar com mensagens dos amigos da mais velha. "Posso ligar? Não dizes nd? Ads! Q estás a fazer?". Lembro-me que ela existe. Aviso-a: a sessão já começou. Zero reação. Era bom que o novo coronavírus tivesse a mesma capacidade de não se mexer.
Segundo o grau de escolaridade, assim são as nossas conversas. No 6.º ano: "Já fizeste?". No 4.º: "Agora não posso ajudar". 1.º ano: "Senta-te e concentra-te". Para todas: "Deixem-me trabalhar". Não resultou com Cavaco Silva, mas pode ser que resulte hoje.
Além de jornalista, por estes dias sou cão de fila da adolescente precoce que gostaria de passar o dia a ver YouTube, procuro libertar a de 9 anos como se acreditasse que ela é capaz de fazer isto tudo sozinha e ainda tento ensinar qualquer coisa à pequena, aluna do 1.º ano.
Venho cá reclamar um pouco de atenção e mimo para o primeiro grau de escolaridade. É triste - e frustrante - ter uma criança que está quase-quase a ler e que agora não temos tempo para acompanhar como deve ser, e como merece. Sinta agora, caro leitor, a nuvem negra a abater-se sobre esta conversa: todo o trabalho que a minha filha fez desde setembro, e que muito lhe custou, está empatado. Em suspenso! Como a economia, sabemos que voltará ao trilho, mas não será com um estalar de dedos. Entretanto, quem já estava em melhores condições, evolui mais. Mas nenhuma criança pode ficar para trás.
Seria muito mais fácil se me pudesse queixar dos professores. Se pudesse dizer que mandam trabalhos a mais e que são muito exigentes. Ou que não ligam nenhuma. Não posso, em sã consciência. Os trabalhos que pedem são adequados às idades, capacidades dos alunos e necessidades. Há um método de trabalho, há apoio, há muita disponibilidade, incluindo num domingo à noite e, finalmente, muita compreensão para a situação em que cada família se encontra. Nós também pusemos bastante da nossa parte para que resulte - dispositivos eletrónicos, rotinas, conversas (alegadamente) motivadoras, mais calma do que é normal e até a impressora a funcionar.
Simplesmente, não conseguimos estar em dois sítios ao mesmo tempo.