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Estava tudo a correr bem na Web Summit até que Portugal se intrometeu na narrativa. De repente, alguém se deu conta: numa cimeira tecnológica muito preocupada com paridade (e um amplo painel de mulheres palestrantes), o retrato que fica para a posteridade é de Paddy Cosgrave, António Costa, Fernando Medina e um monte de homens que representam a comunidade de starups portuguesas. Só mais uma prova que não é preciso viver na China para termos um país, dois sistemas.
Talvez algumas pessoas vejam com benevolência estas coisas. Para elas estão preparadas as mesmas frases que se dizem a pessoas om doenças graves cujo desfecho é incerto:
- É o que é.
- Não se muda tudo de um momento para o outro.
- No futuro será diferente.
- É questão de tempo.
São bons comentários, mas não me chegam.
Eis o que preciso:
1) Identificar o problema
A primeira coisa a dizer nestes casos é que não é por acaso que esta fotografia da comunidade de startups portuguesas está cheia de homens. Esta imagem é o resultado dos milhares de anos de história que nos precedem. Não é um problema dos homens, não é um problema de Portugal tão só, é um problema de todos.
2) Nomear o problema
Fosso de género e desigualdade. Essa injustiça horrível que acontece às mulheres só por serem mulheres.
3) Falar do problema
Nenhuma destas pessoas será diretamente responsável pelo machismo, todos contribuímos. E para mudar faz falta um ditado popular: Roma e Pavia não se fizeram num dia. Nem aconteceu do nada que os americanos tenham ficado com o monopólio da tecnologia nem aconteceu do nada que as mulheres achem que não têm jeito para computadores ou matemática. É o resultado de anos e anos de opções.
Algo tão simples como passar horas a jogar computador, coisa muito típica entre os rapazes da minha geração, criou um lastro de interesse e conhecimento que levou muitos para a informática. Rapazes e máquinas pareceu sempre uma combinação 'natural' quando de natural não tem nada.
4) Debater o que está a ser feito para pôr fim ao problema.
E é por isso que acho que devemos tomar a iniciativa consciente de não representar raparigas apenas com lacinhos e tiaras. É preciso dar-lhes as chuteiras, os lápis, os legos, as construções, os kits de computador Mostrar que podem, como os rapazes, estimular zonas cerebrais diferentes das que se usaram nos últimos anos, mas totalmente ao seu alcance.
E, já agora, também podemos, seguindo a mesma lógica das opções conscientes, ouvir pessoas diferentes das habituais sobre o que são homens e mulheres e descobrir ideias novas. Há essa opção e há a do costume, que é deixar na mãos de homens que pertencem a uma elite cultural, social e/ou económica a perorar sobre o que é o bom e o mau feminismo. O bom, adivinhem, é sempre aquele que desculpa, nem que seja só um bocadinho, o infrator.