Apanhou-me desprevenida. Eu ia a caminho das Torres de Lisboa, sem bateria, sem podcasts, e deixei-me enredar na voz de velho que dizia coisas de gente nova. Falava de música, de palavras e o entrevistador - António Macedo - sabia tudo sobre ele. Havia outra coisa: ele falava bem, um leque enorme de palavras, nada obscuras, apenas pouco usadas. Nunca me canso de pessoas assim. Falava do encontro musical com Nuno Rafael, a Márcia. Era um homem velho, sim, mas dizia coisas novas. E tinha de ser alguém que todos conhecemos.
Mas só no fim daquilo tudo -- 10 minutos de caminho -- é que percebi. Era o Sérgio Godinho.
Sérgio Godinho tem um disco novo e eu comecei a gostar dele mesmo antes de ouvir as canções. Eu não ia procurar nada sobre ele se não tivesse vindo ter comigo. E ainda bem que veio. Agora sou eu que não me canso de o procurar.
Preciso de voltar a um pequeno detalhe relacionado com o programa Supernanny: tenho lido em vários textos que a exposição das crianças as vulnerabiliza, podem ser gozadas pelos outros, alvos de bullying... Há uma pergunta que gostava de fazer: mas ninguém diz aos filhos que gozar com os outros não se faz? É como se fosse perfeitamente aceitável que as crianças gozassem com os colegas e isso não fosse, em si, um problema. Pois bem, é um problema. Pelo menos para mim. Isto já não tem a ver somente com este programa (nota de rodapé na história), mas com a vida em geral. Não podemos fazer asneiras, nem podemos ser como somos -- gordos, caixas de óculos, sardentos, gays ou whatever -- porque isso, pelos vistos, pode levar os outros a serem maus para nós e querem gozar-nos e isso é perfeitamente normal. Coitadinha da pessoa que faz bullying, não tivesse aparecido de minissaia... Ups... Não era isto que queria dizer, mas, para o caso, acho que se percebe. É como se gozar com os outros fosse algo tão natural como a sede e que o "gozador" não tivesse poder sobre si próprio e os seus atos. Please!
No caso em apreço, acho que eu propria cometi um erro no texto anterior. Digo que não devemos deixar nas mãos de outros o nosso lado mau. Embora isso seja verdade, também não devemos deixar o nosso lado bom. E devemos saber que estamos sempre a correr riscos -- adultos ou crianças. Quer assinemos um contrato com uma televisão quer quando publicamos uma selfie no Instagram. A pergunta, nesta era em que temos muito mais controlo sobre tudo isso (e somos convidados a aparecer muito mais), é esta: quão conscientes somos do que estamos a fazer? E isto é válido mesmo para pessoas que, como eu, não têm qualquer problema em publicar fotos dos filhos nas redes sociais. Procuro ser sensata., mas há riscos. Nem que seja o de sermos mal entendidos. Não se trata de ter medo do que os outros pensam. Trata-se de não ficarmos colados a uma ideia que pode não ser real. É por isso que devemos ser ainda mais cautelosos quando aceitamos mostrar o lado mau.
Sra. Russell e Filho (1786-1787), de George Romney (Dalton-in-Furness, Lancashire, 1734 – Kendal, Westmorland, 1802) está na exposição Do Outro Lado do Espelho, no Museu Gulbenkian, até 5 de fevereiro.
Já não estou às escuras, vi um bocado do programa no domingo à noite. É por isso que estou em condições de dizer que esta controvérsia é uma seca. Argumento contra: expõe a intimidade das crianças. Argumento a favor (que só ouvi à SIC, ontem à noite, num debate): ajuda os pais, hoje a ideia de exposição é totalmente diferente. E, pronto, tudo se resume a isto.
Ana Sousa Dias escreveu uma boa crónica sobre o assunto, onde se diz quase tudo. Revejo-me nela quando fala das suas próprias limitações como mãe. Não nos sentimos todos nós assim? Frustrados/ culpados por não sermos esses pais perfeitos que íamos ser quando os miúdos não existiam? Talvez eu seja demasiado permissiva ou pouco poética, mas o facto é que mais daqui ou dali as crianças são todas bastante parecidas. Anjos quando dormem, de levar os adultos à exaustão quando estão acordadas. Talvez ajude serem acompanhadas, mas fazer birras é normal aos 5 anos. Pois se conhecemos tantos adultos que o fazem, como havemos de pensar que crianças podem controlar-se. Ou mesmo que DEVEM controlar-se...
E, por outro lado, quem é o pai ou mãe que querendo despachar as coisas ao fim do dia, a cabeça como um bombo de trabalhar, não perde a paciência com os filhos, eles próprios cansados de um dia na escola (mais atividades e o diabo a sete). Eu sei quem é esse pai. Chama-se Cristiano Ronaldo e tem milhões para despender em nannys, super ou não. Ter dinheiro para descansar é a maior ferramenta de educação.
Portanto, nada há de excecional naquela família que vi ontem. São apenas um marido e mulher com dois filhos, precisam de trabalhar e de repartir com os filhos as tarefas diárias, não para que eles aprendam, porque lhes vai ser útil, mas porque é necessário (grande diferença!).
Estou apenas a falar do segundo episódio, mas o grande problema da educação em Portugal é todos os elementos da família terem de trabalhar, passarem pouco tempo a descansar e uns com os outros.
Quanto ao programa propriamente dito, além de ser muito pobrezinho nas imagens, na construção da narrativa, claro que expõe as crianças e, pior, expõe a partir da falsa ideia de que estes miúdos são diferentes dos outros miúdos daquela idade. Era aqui que queria chegar: não são. E mostrá-los no seu pior momento (real ou encenado) é mau precisamente na era das redes em que só se partilha o bom e bonito. Se há um lugar onde podemos mostrar apenas o nosso melhor lado, para quê deixar nas mãos de outros o lado mais feio?
Não senti o terramoto. Os Cranberries não foram a minha banda da adolescência. Não vi a Supernanny. Mas separei milhares de pequenas peças de Playmobil, legos e pinypon, pus quatro sacos de ursos de peluche para lavar, entre outras coisas que nos mexeram com a adrenalina.
Feliz 2018! Não quero agora passar por mal educada, pessoa que abre novos 365 dias sem um carinho, um olá, uma lembrança. Estou feliz por virar o ano, mas não terminei o ano a fazer mais balanços do que aqueles que já tinha feito. Apenas feliz, e agradecida, por termos saúde e estarmos juntos. É tudo o que desejo para o novo ano.
Suponho que quando somos novos, e ainda nos achamos imortais, temos a ousadia de pedir mais do que saúde e a companhia daqueles de quem gostamos. Eu também fazia, todos os anos, uma lista de doze desejos. Era bom e eu gostava, mas não fiquei magra por muito pedir. Não arranjei um trabalho de sonho por comer uma passa. Não viajei por usar cuecas azuis novas. Enfim, acho que se percebe...
Além disso, se eu fosse um bocadinho supersticiosa ou acreditasse que os primeiros doze dias do ano nos dizem o que se passa nos 12 meses seguintes, estava bem tramada, tendo em conta que passei a manhã com a Teresa no hospital por causa de uma dor de ouvidos e que sou uma fada do lar solitária até domingo. Querem camisas passadas? Falem comigo. A esta altura da procissão, arrogo-me o direito de dizer que tal teoria não tem (não pode ter) qualquer validade.
2018, que sejas como tiveres de ser.
The Skiff (La Yole), 1875, de Pierre-Auguste Renoir (National Gallery)