E, portanto, valeu a pena umas quantas maluquinhas se chatearem por coisas sem importância como livros que segregam e representações machistas, porque sem esse episódio provavelmente não existia este.
Ao longo do último ano e meio (desde o Happy Meal Gate, para ser exata), ouvi e li muitas pessoas criticarem o facto de dar tanta importância a coisas pequenas como o facto de existirem coisas para rapazes e coisas para raparigas. Os argumentos são variados e a quase todos lhes faltava o essencial: notar, por exemplo, que se continuamos a falar dos homens e das mulheres da mesma maneira e com as mesmas palavras (as mesmas palavras mesmo) persistiremos nos mesmos erros e nas mesmas falsas concepções.
Algumas das pessoas que me insultaram vastamenta na internet, incluindo-me no grupo das histéricas, são agora as mesmas que acham muito mal o que fez o juiz que "desculpou" o homem que agride porque a mulher lhe foi infiel. Fico contente por considerarem que isto é completamente inaceitável. Parece que afinal sempre valeu a pena fazer umas quantas cócegas no cérebro fazendo ver que adultério não desculpa violência.
Talvez custe entender, mas é também porque se tornam obsoletas certas palavras -- adultério, sem ir mais longe -- que nos parecem inaceitáveis certas coisas.
A pasta dos rascunhos deste blogue está que é uma vergonha. Mais de 100 post inacabados. E quero só dizer à minha excelsa família que se um dia lhes passar pela cabeça publicar esse material, vou atazanar-lhes a existência de onde quer que esteja, porque, como é bom de ver, se os quisesse públicos, estavam públicos. Pronto, está dito, não tenham tentações...
A minha amiga Ana mandou-me um vídeo, divertidíssima. "Não sei como é que isto apareceu no meu mural, mas estou farta de rir". Era o Gustavo Santos. Era o Gustavo Santos, que tem o filho internado, a lamentar-se de coisas várias, da falta de liberdade que as crianças têm na escola para criar, do que paga na creche para o filho não ir e dos pais que dão benuron aos filhos para esconder a febre contagiando o "Salvador". E, acreditem, quando eu escrevo ele até parece uma pessoa sensata. Que não é.
Entre mensagens, concluímos que ela não fazia a mínima ideia de quem é este rapaz.
A minha amiga Ana, portuguesa e bastante atenta ao mundo, conseguiu viver para cima de 35 anos sem se cruzar com a "filosofia" de Gustavo Santos. Sem as patranhas do "ama-te a ti mesmo". Sem o cão que o ensinou a ser pai... Conseguiu manter-se longe do mal o tempo suficiente para me dizer, com o que me pareceu ser um tom de surpresa: "Achei o discurso insólito, mas reparei que tem muitos seguidores". Que inveja! Eu desejava que inventassem um algoritmo que o afastasse para sempre da "minha internet".
Segundo percebo, do que vou lendo, agora Constança Urbano de Sousa é afinal uma boa alma porque quis sair após Pedrógrão Grande e o primeiro-ministro não deixou. Se isso descansa alguém, porque, que se saiba, a lealdade, por muito bonita que seja (e é), não é uma grilheta que retire o juízo. Se achava que tinha de sair, não estava presa.
Sobre os pedidos de desculpa de António Costa, e as suas prioridades do primeiro-ministro, não vale a pena dizer nada. Empatia não sente nenhuma a não ser pelo chão político que lhe está a resvalar sob os pés. Hoje, depois do puxão de orelhas presidencial já parece mais abatido (ver debate quinzenal).
Como vinha dizendo desde que vi o primeiro-ministro a reagir ao que se passou em Pedrógão Grande, o mais repugnante ( repugnante é a palavra) em todo este caso era ver a maneira como se ignorava o sofrimento das muitas pessoas que tinham morrido. Como o primeiro instinto foi empurrar com a barriga, dizer que era preciso sofrer em silêncio para não mostrar a dor que não sentiam. É isto. Nunca, em momento nenhum, António Costa pareceu realmente incomodado com alguma coisa que não fosse o prejuízo político de uma tragédia destas.
Eu sei que fiquei particularmente tocada com o caso, sei disso, sei que acontecem imensas coisas tristes e não fico assim, mas se fico, se dou atenção e reparo, também não posso ignorar quando pessoas com responsabilidades políticas agem sem o mínimo de empatia para com o sofrimento alheio.
Nesse sentido, o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, teatral e mais estudado do que é costume (pareceu-me), foi exemplar. Primeiro, não foi feito imediato. O Governo teve oportunidade de emendar a mão pelo menos duas vezes. Depois, realçou tudo o que era necessário. Lembrou as vidas que ficaram por viver, o heroísmo anónimo dos que lutaram contra as chamas, alguns em vão, o sentimento de insegurança que se apoderou de muitos de nós e pediu a tal ação de que se tem falado, mas que não se tem visto.
Resultou.
Constança Urbano de Sousa, como as minhas filhas depois de as mandar 30 vezes para a mesa e já estar a espumar, lá acedeu a sair. É o correto. Não porque seja incompetente ou responsável direta pelas ignições, mas porque há um momento em que é preciso dar lugar a outros para que se faça de outra maneira.
Na carta da de demissão, afirma que pediu para sair logo a seguir a Pedrógão Grande e que não o fez porque o primeiro-ministro lhe pediu que ficasse para resolver o assunto no momento mais necessário. Tenho as máximas dúvidas que isto seja assim. A ministra da Administração Interna era importante para António Costa por razões políticas que me escapam, mas que tenho a certeza que existem. Quanto à prosa vertida nesta missiva, constato apenas isto: num mísero texto de 1540 caracteres (word count dixit), consegue usar a palavra pessoal duas vezes.
Pedrógão Grande chocou-me muito e, como toda a gente (acho!), nunca imaginei que cenário idêntico se repetisse. Naquele junho, no entanto, não achava que a ministra da Administração Interna tivesse de se demitir. Como ela dizia na época, que solução fácil era essa? E eu até aceitei aquela tomada de posição sem me pôr a vociferar "demissão, demissão". Os dias entretanto foram passando e as respostas nunca apareceram. Nunca soubemos o que tinha acontecido realmente e o relatório independente só chegou quatro meses depois. Não seria muito se não continuasse este calor e se as autoridades não tivessem sido avisados das condições especiais deste fim de semana. Então, hoje, sim, Constança Urbano de Sousa tem de passar a pasta a outra pessoa. Por responsabilidade política, mas não só. Por humildade, por respeito a quem perdeu a vida. Para assumir que talvez exista gente que percebe mais deste assunto do que ela, que talvez seja preciso alguém que faça as coisas de outra maneira.
E depois há Costa a ser Costa. Estava agora a ouvir o "Jornal da Noite" e dizia Miguel Sousa Tavares resumir a comunicação do primeiro-ministro ao país: o discurso de quem não entendeu o sentimento de perda (mesmo perda alheia) de 36 pessoas, de insegurança, de medo... Que raio de maneira de falar com as pessoas menos de 12 horas depois de sabermos que morrem mais de 30 pessoas. Que raio de conversa burocrática, sempre a referir-se a um estudo que só vai ser alvo de debate no sábado? Bastava ler esta reportagem do Ricardo e do Rui.
Finalmente, é preciso uma palavra para as declarações da própria ministra "que podia ter ido de férias" e ficou. Please! O que se seguirá? Reclamações porque o colete da Proteção Civil não a favorece?
Nuno Pinto Fernandes, Global Imagens, no incêndio de Santo Isidoro (Mafra)
Quando a festa de dois anos do Rafael começou, às 17.00, já havia um nuvem negra ao longe. É em Santo Isidoro, disse uma convidada. Nós rimos, conversámos, as crianças brincaram e a nuvem de fumo sempre a crescer. Cortámos o bolo, jantámos e lá estava. No regresso a casa, vimos pelo menos três carros de bombeiros e mais um clarão de incêndio, numa zona diferente. Eram 22.30 quando em sintonizei com as notícias. Continuavam acesos.
Quatro pessoas tinham morrido quando eu adormeci e, juro, pensei, e se Pedrógão Grande se repete? Não, impossível. Vai haver cuidado. Balanço desta manhã: seis pessoas morreram.
Sim, eu sei que os incêndios acontecem, que há imponderáveis, mas não é possível que todos os azares se concentrem sob o comando da ministra de Admnistração Interna.
PS: As minhas contas nestas coisas pecam sempre por defeito (já foi assim em junho). São 13.00 e o número oficial de vítimas é 31. Cinco pessoas estão desaparecidas e, segundo li no DN, uma delas é um bebé de um mês. Uma vida é uma vida. Mas uma vida com um mês?
Há sempre um tópico nas leituras de resultados eleitorais que me incomoda e aborrece. Chama-se abstenção e os seus porquês. É um debate que acaba demasiadas vezes com a ideia de que "as pessoas" (seja lá que entidade for essa) estão descrentes da política porque os políticos são corruptos.
Ora, eu tenho quase a certeza que políticos que gostam de meter a mão na lata pública sempre existiram, e deve ter sido bem pior na época em que não havia tribunais independentes e outras formas de escrutínio.
O que vejo mais vezes é que a política como a fazemos -- com partidos -- está refém dos partidos e (muito) menos da ideologia e que tudo no fundo é questão de narrativa ou, de forma mais básica, da maneira como dizemos as coisas.
Vamos ao exemplo:
Quando o governo da aliança PS, CDU, BE diz que "devolveu rendimentos aos trabalhadores" o que está a dizer é aliviou os impostos aos contribuintes, o mesmo que faria um governo republicano nos EUA, liberal dos sete costados na Europa. É uma questão de palavras, não de políticas. É por isso tão desconcertante ler este artigo de Ricardo Arroja. Um homem liberal, que não quer ser mais do que liberal quando fala da economia, defendia, contra Passos Coelho, a solução que está a ser posta em prática com a Geringonça (baixar o IRS).
A educação de uma criança pode ser afetada por mil subtilezas. Por exemplo, por causa de uns quantos pais que não vacinaram os filhos contra o sarampo, uma doença quase extinta regressou. E assim, em vez de uma janela de um ano para imunizar a Quica, o que a pediatra me diz é "faça-o já". E eu vou fazer, claro. ASAP.