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Quem sai aos seus

Um blogue para a Madalena, para a Teresa e para a Francisca.

Passito a passito, a mudança

O principal problema de sermos marginalizados por pertencermos a um grupo é, creio ter percebido bem, aquele que Ana Sousa Dias descreve na sua crónica deste fim de semana -- Também já fui a cigana (ou a preta) dos outros. Podemos ser, a qualquer momento, em outra circunstância, a bitch de alguém. Nem que seja só por isto, já devemos pensar duas vezes. 

Eu tenho imenso preconceitos. Vou assumir já para depois não ficarem surpreendidos com a quantidade de alarvidades que sou capaz de dizer ou pensar. Ainda me soa estranho ver duas pessoas do mesmo género beijarem-se na rua. A bem da verdade, estou a ficar tão velha que agora até me parece bizarro que um rapaz e uma rapariga se beijem em público (coisa mais parva, eu sei!). Olho duas vezes se vejo uma pessoa transgénero, e aqui a discriminação continua: elas são mais chamativas do eles. E no outro dia, para meu horror, mas sem poder voltar atrás usei esta expressão numa conversa de whatsapp: "ela veste-se como quem quer festa". Sobre mim pesa a história do mundo.

Em minha defesa quero dizer que quando uso a expressão "querer festa" deve ler-se "festa consentida". Também quero dizer que me policio para não dizer coisas como "assumiu que é gay", mas sim "tornou público", já que só se assumem erros e, por outro lado, espero que a pessoa já se tenha assumido perante ela própria (se for caso de assumir alguma coisa). Também procuro falar sobre igualdade às crianças, explico que as raparigas e os rapazes podem fazer exatamente o mesmo, porque não são as coisas que são de homem ou mulher, somos nós. E apoio mudanças institucionais que nos vão levar mais longe, ainda que seja lento.

Uma mulher andar de calças, algo tão banal hoje, era um escândalo há 100 anos, ainda olhado de lado há 50. Damos passos vagarosos a caminho de um mundo em que nos estamos pouco borrifando para o que os outros fazem, com tanto que não nos prejudiquem. E, nestes dias em que temos ouvido falar tanto de gays, transgénero, racismo, xenofobia, desigualdade, à boleia de pessoas que não vou nomear (se for marciano e quiser perceber o que estou a dizer, por favor faça google), que quando vejo o ator Liv Schreiber de mão dada com o filho, vestido de heroína, para a Comic Con só posso sentir esperança. Não sabemos porque é que o miúdo quer ir vestido de menina, e não importa.

 

Viajo nas férias dos outros (e nas suas maneiras de viver)

Se pudesse não fazia mais nada no tempo livre do que viajar. Os livros de viagens são bons para acalmar um pouco essa ânsia (e ansiedade) de conhecer novos lugares quando não podemos sair, mas, neste aspeto, o Facebook é imbatível. Chega o verão, chegam os destinos de sonho. Se for mau e excessivo, pode ser cansativo, não digo que não. Mas, como tudo, na dose certa, ou até bocadinho mais, é uma delícia. Boas fotografias e legendas elegantes são tudo o que preciso para viajar sem sair do lugar. E há muita gente, muita gente mesmo, com este dom de me fazer viajar sem sair do lugar.

Assim, por alto, este ano já estive na Coreia do Sul, em Amesterdão (duas vezes - em família e de mochila às costas), estou a caminho do Irão, já fui a Marrocos, estive em turismos rurais no Alentejo, fui à Serra da Estrela, aos Açores, instalei-me em arranha-céus na Ásia... Podia continuar a elencar as maravilhas por onde andei este ano. Adoro. Adorava mais poder ir, como é óbvio, mas assim posso sonhar e adoro sonhar. 

Há, no entanto, um caso especialmente espetacular. E se tivesse de atribuir um prémio através das fotografias do facebook, o grande momento das férias de verão são as fotografias de um amigo da adolescência com a mulher e os três filhos. Saem os primeiros raios de sol e eles começam a aproveitar a vida com os miúdos. E é maravilhoso, porque se eu pensar bem no assunto, o que é realmente incrível nas fotografias que partilha é a alegria que põem nas coisas mais simples. Não há cá filtros, nem poses que não sejam poses de crianças, não há roupinhas a condizer, não há manias. Sem ir mais longe, ontem contava como tinham ido ver o "Faísca", com fotografias tiradas naquelas diversões antes de entrar na sala de cinema. Não é nada que milhares de outros miúdos não tenham feito, mas a mim parece-me que eles o fazem com tanta alegria, apreciam tanto as coisas pequenas da vida que é impossível não pensar que eles retiram realmente imensa felicidade dos dias que vivem. 

Atenção, eu sei que o facebook não é a vida das pessoas, sei que estou apenas a ver uma pequena parcela do que lhes acontece, mas também não acho que a regra seja as pessoas postarem imagens de felicidade quando se sentem um caco. Na maior parte das vezes é apenas a vida a acontecer no momento em que acontece e isso é, por si só, maravilhoso. Deve ser por isso que aprecio tanto as postagens que ele faz. Na verdade, mais do que aprecio. Sinto que ele está a fazer coisas pelos filhos muito superiores a dar boas escolas, instruções precisas sobre o que devem ou não ser no futuro ou a enchê-los de coisas vagas como saber das porcarias cosmopolitas. Está apenas a viver o presente o melhor que pode e essa, embora não seja a minha maneira de funcionar, é que é a maneira certa. 

 

Pelo menos de falta de coerência não me podem acusar

O desinteresse pelo blogue é idêntico ao que sinto por quase tudo o que se passa ao meu redor. A minha vontade é acordar e ficar a ver episódios de "Modern Family" uns atrás dos outros. Estou sem objetivos, sem foco, sem plano que não seja o b, sem vontade, sem ideias. 

Inge morath.jpeg

Será porque fiz 41 anos? Será porque andei a fazer balanços? Será porque sinto uma dor reflexa, brutal, por uma pessoa que perdeu a vida e que podia ser eu e a minha família? Será porque me transtorna que as pessoas queiram seguir em frente como se morrerem 64 pessoas fosse coisa normal? Será porque as crianças já lavam os dentes sozinhas? Será porque, depois de Pedrógrão Grande, andei a espreitar as fotografias de antigos colegas e concluí que estão todos velhos e, portanto, hei-de estar tão velha quanto eles? Será porque não me apetece vestir? Será porque agora é crime viver uma vida que não possa ser publicada no instagram? Será porque é verão e ainda não dei por ele? Será porque ainda por cima acho que isto são tudo coisas de mulher do primeiro mundo e que nem devia atrever-me a enunciá-las quanto mais queixar-me? Será porque estou farta de relógios? Será porque estou farta de birras? Será por achar que os adultos devem assumir as suas responsabilidades? Será porque todos os dias em esqueço de qualquer coisa que devia ir nas mochilas? Será por achar que se estão a fazer coisas de maneira errada? Será porque só encontro as sandálias pretas que quero nos pés das outras pessoas? Será porque me cansa o facebook? Será porque isto não está a ser nada como me apetecia que fosse agora? Ou será apenas porque ando a dormir mal?

 

|Foto: Inge Morath|

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