Ser gay na vida pública
Há uma coisa que já não se aguenta ler sempre que um político torna público que é gay: "Que coragem".
Como um dia escreveu António Guerreiro no Público, coragem têm um trolha ou um camponês quando, num circuito fechado, e muito mais preconceituoso, se assumem gays.
Um político é outra coisa: é quase uma prova de ética. De que quer viver uma vida transparente. E isso, não sendo valentia (porque apesar de tudo já não estamos aí) é mais do que suficiente para admirarmos pessoas como Adolfo Mesquita Nunes (CDS) ou Graça Fonseca (PS).
Mas, convenhamos, políticos e artistas tornarem público que são gays não é ainda uma afirmação. É um ato. O ato de afirmar e o ato de serem elas a dizê-lo. Ainda vale pelo que as pessoas são. Pessoas como Adolfo Mesquita Nunes ou Graça Fonseca, que parecem sensatos, que têm uma profissão que se recomenda, opinião, bom aspeto e um ar cosmopolita são excelentes exemplo e fico feliz por termos estas pessoas à nossa disposição, especialmente porque ainda temos de conviver com imenso preconceito. Mas, lá está, afirmar-se gay ainda é uma coisa que não vale por si. Ela vale pelo que estas pessoas são na vida pública. E pelo seu bom comportamento como cidadãos. Por exemplo, um político acusado de corrupção tornar público a sua homossexualidade teria outra leitura.
Portanto, e apesar de atabalhoado, o meu ponto é este: precisamos de novos desafios no que a este assunto diz respeito:
1) Entrevistados que dizem naturalmente 'o meu namorado/marido", sem precisar de fazer disso trending topic no Twitter.
2) Entrevistas em que o melhor título não é "Sou gay".
3) Assumirmos que há pessoas gay de todas as cores e feitios e que nem todas vão ser ícones da moda, apresentadores super bem sucedidos ou políticos que fazem coisas notáveis. Alguns gays são como a maioria das pessoas. Cidadãos que vão passar à história sem história nenhuma para contar. Alguns são até vilões. Nenhuma dessas coisas interfere com o facto de serem gays ou com o respeito e igualdade com que devem ser tratados. Ser gay não dá bondade, não dá um ouvido especial para a Eurovisão ou mais estética. Ser gay é apenas ser gay.
Creio, aliás, se li bem a entrevista de Adolfo Mesquita Nunes ao Expresso que ele concordaria comigo. Como ele diz, faz o que faz, porque não tem a opção de ser outra pessoa.
Díptico, de João Gabriel