Quantos testes é que as crianças precisam de fazer no terceiro período?
Não quero parecer injusta na minha observação, porque não sou professora, mas gostava de perceber que sentido faz crianças como a minha filha Madalena, aluna do 3.º ano, fazer dois testes de português, dois testes de estudo do meio, dois testes de matemática e dois testes de inglês durante o terceiro período. Uma janela de tempo, gostava de lembrar, que teve dois feriados, a vinda do Papa e, no caso deles, uma aula aberta (os alunos preparam um tema e explicam-no aos pais). O caso é que ainda não sei a nota do último teste de matemática e agora recebo uma mensagem de uma mãe a perguntar se sei qual é a matéria que sai no teste de português.
A minha primeira reação foi pensar que aquilo era um exagero. Ainda faltam duas semanas, disse a mim mesma. Mas, pelo sim pelo não, fui confirmar à agenda e, lá está, bem escritinho, no dia 1 de junho, Madalena: Teste de Português. A partir do dia 5 a coisa piora consideravelmente. Também aparecem infames Teresa: Teste de Matemática e coisas assim. Mas, com esses eu já estava a contar (e no caso da Teresa, aluno do primeiro ano, só há um teste de português e outro de matemática, com a matéria de estudo do meio enxertada)...
Claro que é indiferente o que eu pense. O teste vai ser nesse dia e vão fazer duas rondas e acabou a conversa. Mas, e não sei se isto são coisas da minha cabeça, às vezes parece que quem está a fazer a primária sou eu, que tenho de estar sempre a controlar quando são os testes, quando é que é preciso rever a matéria, o que é preciso saber. Há sempre, sempre um momento em que não consigo evitar pensar MAS O QUE É ESTÃO A FAZER NA ESCOLA O DIA TODO QUE NA SEMANA ANTES DO TESTE AINDA TÊM DE REVER TEMPOS VERBAIS NA LÍNGUA MATERNA?
Como é bom de ver, não o faço por ter nada contra a professora, que me parece sensata e competente no seu trabalho. O mesmo se passa em outras escolas. É só uma sensação de enorme frustração que se resume nisto: trabalho durante a semana, chego tarde, não tenho tempo para andar a pôr músicas relaxantes quando fazem os trabalhos de casa, nem jeito para inventar jogos divertidos para que decorem a tabuada. Espero que elas venham para casa com a matéria na ponta da língua e que, no restante (pouco) tempo, possam ocupar-se com desporto, a ouvir música, ver televisão, a ler, a fazer casas de lego e, em suma, tudo o que lhes dê na telha. E que ao fim de semana, sobretudo nos fins-de-semana em que tanto o pai como eu estamos livres, que possam desfrutar da nossa companhia sem termos de ser sempre aqueles pides maus que as obrigam a estudar.
A outra parte que me incomoda um bocado é eu ter de me envolver tanto nestes assuntos. Suponho que isso era assim quando eu era estudante. Aliás, para meu choque, há uns dias a minha mãe disse-me que ela também tinha de estar em cima do que nós, se fazíamos os TPC e etc. Claro que ela devia ser bastante proficiente, porque eu sempre achei que era muito independente, mas, ainda assim, interrogo-me se não devia fazer parte da educação formal as crianças aprenderem a controlar sozinhas quando têm testes, quando têm de estudar, o que é preciso saber... Porque, mais uma vez, parece que quem está a fazer a primária sou eu.
Ah, isso é problema teu que não te organizas. É capaz. Não digo que não. Ainda não encontrei o método para conseguir que a Madalena estude sozinha e se organize sozinha. E sendo completamente justa, ela é bastante boa aluna e com pouco brilha. É até frustrante para ela, sempre a ouvir "se desses um bocadinho mais de ti, tinhas grandes notas". Na verdade, é forçoso concluir, quem tinha de dar mais para ela chegar aos 90% era eu, estudando com ela todos os dias.
Está certo que não está escrito em lado nenhum que temos de ser nós pais a fazer este acompanhamento, e nem digo qe seja do outro mundo mas devia ser muito menor -- se é assim na primária, nem quero imaginar na secundária -- e intui-se que querem os pais ao barulho quando, explicando a matéria que vai sair no teste, são usadas expressões como "determinantes possessivos, determinants demonstrativos e quantificadores numerais".
Estou a escrever isto muito a quente e, com um pouco mais de reflexão sou capaz de ficar sensata, mas a minha filha, que até tem um vocabulário bastante bom (e não é o coração de mãe a falar), não me anda pela casa a dizer "quantificador numeral". Se eles falassem assim, eu percebia, não falando (e eu acho que podiam falar), se esta expressão aparece, depreendo que seja para mim e para o pai.
Mas vamos ao pior. E o pior, tenho quase a certeza, é que a culpa disto é dos pais. Em todas as turmas existe o típico progenitor apressadinho que exige saber a matéria toda para poder estudar com a criança como se ela estivesse para entrar na faculdade. Calma, a minha observação parece mais crítica do que é, porque eu percebo estes pais. Para alguns é apenas uma atitude defensiva, porque já sabem que lhes vai cair em cima, e estão apenas a ser organizados. Mas enerva. Enerva-me muito. Porque é um ciclo vicioso. Um é precavido, os outros vão atrás e assim sucessivamente até entrarmos todos nesta teia de objetivos que perde de vista o essencial: AS CRIANÇAS SABEM CONJUGAR OS VERBOS NA LÍNGUA MATERNA?
|foto: Escola do Magistério Primário, encontrada no Restos de Coleção|