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Quem sai aos seus

Um blogue para a Madalena, para a Teresa e para a Francisca.

O triatlo está feito (e tenho de falar sobre isto)

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 Ainda estou um bocado incrédula, mas já fui confirmar à página oficial e aconteceu mesmo: fiz o triatlo. Tri-a-tlo! Dizer que fiz bonito já é outra história, mas, pronto, essa não era a minha batalha. Só queria cortar a meta inteira e, desde sexta-feira, pôr fim ao estado de nervos em que me encontrava. Era outra vez véspera das provas específicas, mas em parvo, porque fui eu que me impus este desafio. Na manhã de sábado, ultimando preparativos na Decathlon, julguei que me ia dar um fanico. Até que recebi uma notificação do António no Facebook:

"O dia de amanhã é especial para a Lina Santos e para toda a nossa família, e não é pelo que estão a pensar. A Lina vai fazer o Triatlo. Sim, leram bem. E nós, cá em casa, temos um orgulho imenso na sua força de vontade e capacidade de sofrimento. Nos últimos meses, foi o tema mais presente cá em casa. Nunca desistiu, mesmo quando o cansaço aparecia. E apareceu tantas vezes. De manhã, à tarde e à noite, de madrugada, sozinha ou acompanhada, treinou muito para este dia. Ao mesmo tempo, com a atenção de sempre a três miúdas que estão sempre a pedir, e a exigir, a nossa presença. E a escrever no DN melhor do que nunca. Lá estaremos os quatro amanhã a acompanhar a corrida, e na meta para a receber como a vencedora, e os amigos que quiserem juntar-se serão bem-vindos. Para nós, já ganhou."

Escusado será dizer que Lina Santos desatou a chorar junto à secção de biclas. Choveram mensagens. De amigos meus, de amigos nossos, de amigos do António que nem conheço e isso, de uma maneira estranha, deu-me confiança. Deu-me ânimo.

O António é o verdadeiro culpado disto tudo e é preciso contar a história desde o princípio. Há um ano, o nosso amigo Filipe e eu convencemos o António a treinar com o Pedro Almeida. Ele fazia e eu juntava-me. A coisa foi andando até que o nascimento do ECO e a newsletter matinal o afastaram de vez do exercício. Já eu continuei, com a Catarina. Foi o Pedro que me falou do triatlo pela primeira vez, em outubro. Aquilo ficou-me na cabeça até que percebi que as inscrições já estavam abertas e, bumba, meti-me nisto à maluca sem ter noção de nada. Como já expliquei, na minha imensa ingenuidade, pensei que se gosto mais de nadar e de andar de bicicleta do que de correr, não podia ser assim tão difícil. Com os treinos, caí na real. Não houve dia que não pensasse que não ia conseguir. E era um pensar sentido. Achava mesmo-mesmo que não ia dar.

Durante semanas, deitava-me com dores e acordava com dores. Nas pernas, na barriga, nas costas e, um dia, cúmulo dos cúmulos, até as mãos estavam doridas. O que não foi nada comparado com a ginástica mental que foi preciso fazer para encaixar os treinos, os compromissos familiares, trabalhar e "manter a pose" de não se passa nada. Foi um desgaste brutal e enquanto me lembrar não quero passar por isto outra vez.

Nas últimas duas semanas, alternava a angústia da derrota com os planos para as coisas que vou fazer a partir de agora. Coisas tão extraordinárias como aspirar o carro, entregar o IRS ou enviar a contagem para a EPAL. Todas elas me pareciam melhores do que os treinos demoníacos em cima da bicicleta.

Nunca me habituei aos sapatos de encaixe (o destino dos que comprei há de ser possivelmente o OLX) e foi preciso tomar medidas drásticas. Assumir que ia pedalar sem eles. Foi um alívio. Posso ter perdido 30% do rendimento, mas ganhei 70% de confiança.

E a bicicleta foi mesmo o que mais gostei. Senti dores numa perna, senti dores no coração, saltou a corrente (duas vezes), não conseguia beber água e engolir o gel sem parar, mas o caminho era lindo. Com os contentores cor de ferrugem de um lado, o rio do outro. Toda a gente me dizia "desfruta" e na segunda volta foi o que fiz.  Até que me lembrei das palavras do Pedro: não é para fazer cicloturismo.

Toda a gente me passou, o que não tem importância nenhuma. Estava a conseguir dominar a minha "inimiga" metro após metro. E quando apareceu a subida, pensei: eu consigo, eu já fiz isto, eu sou capaz. Durante o calvário de adaptação, o melhor sítio que encontrei para praticar foi o Instituto Superior de Agronomia, só subidas e descidas. Foi um bom treino. Quando vi a placa da autoestrada marcar 9:38 fiquei tão embasbacada que pensei que o relógio estava na hora antiga. (Uma pessoa nestas coisas tem sempre muito tempo para pensar).

Ao fim da primeira volta, topei a Inês e a Maria João. Não foi díficil, porque elas já estão profissionais do assunto, usam cartazes e estão muito afinadas. Fazer as provas pode ser duro, mas a pessoa acordar só para apoiar os amigos é um grande sacrifício e um gesto que me deixa sem palavras, mas com muito mais força para continuar. No final da segunda volta, elas foram substituídas pela Madalena, pela Teresa e pela Quica (e o pai, claro).

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O pior tinha passado, achava eu. Comecei a acreditar que ia conseguir terminar. Afinal, correr era o que mais fazia e não me sentia assim tão cansada. Pois bem, se na transição nadar-bike fiquei toda a tremer, na passagem bike-corrida já não conseguia pensar. Por exemplo, sei que vi a minha família, mas não sei onde.

A natação custou pela constante desorientação, a corrida... Valha-me Deus. As pernas não obedeciam. Aquela coisa que eu tinha a certeza que conseguia fazer ia dar de cabo de mim? Reencontrei a Maria João, vi a família da Sónia, ouvi alguém gritar o meu nome (era a Ana), tive de parar para beber Isostar, uma bebida odiosa, e tentei continuar. A correr como uma velha, toda a gente do Half Ironman a passar-me. Pensava para mim: é só ir lá à frente e voltar, é só ir lá à frente e voltar. Pois muito bem, quando já só pensava na meta, a Sónia passa por mim e... bum... lembrei-me: eram duas voltas.

Não tenho palavras para descrever aqueles metros, aquele calor, a necessidade que tinha de beber água, a vontade gritar. Felizmente, não tinha força. E tenho muita sorte. Na viragem, vi a mãe de uma amiga da Madalena e no regresso apareceu-me um anjo da guarda. O meu amigo Sérgio, de bicla, acompanhou-me ao longo do último quilómetro, ligou ao António a dizer onde estava.

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 Quase, quase a chegar vi as minhas filhas entrarem por ali dentro para cruzarem a meta comigo. Fecho os olhos e ainda me parece irreal. É daqueles momentos que nunca mais vou esquecer.

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 E que eu euzinha, que tinha o trauma de ser sempre a última a ser escolhida nas aulas de Educação Física, tenha conseguido chegar aqui dá-me muito gozo. Acredito que ninguém espere que me meta numa coisa destas. Às 7.00, enquanto esperávamos a nossa vez de entrar na água, vi o pai da amiga da Madalena e acho que a pergunta dele quando o fui cumprimentar diz tudo sobre as expectativas que as pessoas têm: "Então, quem é que vem fazer?". De tal forma, que me senti no dever de lhe dizer que ia "só" fazer o olímpico (ele estava a atirar-se para o Half Ironman e nem era a primeira vez).

Descobri que gosto de fazer desporto e de me ir desafiando, por isso, hoje já fui fazer exercício com o Pedro e com a Catarina, as pessoas, com o António, que mais sofreram nos últimos meses com os meus ataques. O Pedro arranjou-me soluções para tudo e mostrou-me o caminho e aturou muita merda psicológica, muito "mas como é que isso se chama e o que é isso faz?".

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O António, que ficou prejudicado na minha dedicação à causa, incentivou sempre e nunca me deixou desistir. Trabalhou muitas noites com o encantador som da bicicleta nos rolos e a esposa em muito mau estado. E a praguejar.

As pessoas dizem-me que estou a transmitir um bom exemplo às minhas filhas e tenho a certeza que isso é verdade. (Se bem que, no caso da Teresa, não tenha a certeza que ela esteja a ver o mesmo que eu. No domingo à tarde, eu podre a querer descansar e ela pede-me para fazer os trabalhos de casa com ela. "Vem comigo ajudar-me. O Pedro também te ajudou a fazer o triatlo". Não tive outro remédio se não acompanhá-la. E rir-me.) As minhas miúdas, além me terem colado as tatuagens dos números como profissionais, já não questionam. Elas sabem que isto é o que eu faço no tempo livre.

Durante os treinos na piscina, conheci a Abigail, triatleta a sério. Ficámos "amigas" de facebook e ela perguntou-me se fui mordida pelo bichinho do triatlo. Não sei como lhe responder. Fazer mais uma distância destas não me apetece já, mas num sprint (750 metros a nadar + 20 km a pedalar + 5 km a correr) alinhava já para a semana. Foi bom e vou continuar. De alguma maneira.

Mas, para já, vou usar o vale de massagem que me ofereceram quando fiz 40 anos. Estava a guardá-lo para o momento certo. É agora.

 

 

PS: Taggei a Vanessa Fernandes, que ficou em segundo lugar no Half Ironman, numa foto publicada no Instagram, e ela teve a delicadeza de me responder com um "Parabéns a nós". É isso. Parabéns a nós!

PS2: Estou a lembrar-me de mais pormenores. Já sei onde vi a minha família na corrida. Eles estavam com a Ana Sousa Dias. É uma sorte encontrar pessoas que compreendem como isto é importante para quem se mete nestas coisas. 

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