A inversão completa de valores é esta: não se mostre a criança porque pode ser gozada
Preciso de voltar a um pequeno detalhe relacionado com o programa Supernanny: tenho lido em vários textos que a exposição das crianças as vulnerabiliza, podem ser gozadas pelos outros, alvos de bullying... Há uma pergunta que gostava de fazer: mas ninguém diz aos filhos que gozar com os outros não se faz? É como se fosse perfeitamente aceitável que as crianças gozassem com os colegas e isso não fosse, em si, um problema. Pois bem, é um problema. Pelo menos para mim. Isto já não tem a ver somente com este programa (nota de rodapé na história), mas com a vida em geral. Não podemos fazer asneiras, nem podemos ser como somos -- gordos, caixas de óculos, sardentos, gays ou whatever -- porque isso, pelos vistos, pode levar os outros a serem maus para nós e querem gozar-nos e isso é perfeitamente normal. Coitadinha da pessoa que faz bullying, não tivesse aparecido de minissaia... Ups... Não era isto que queria dizer, mas, para o caso, acho que se percebe. É como se gozar com os outros fosse algo tão natural como a sede e que o "gozador" não tivesse poder sobre si próprio e os seus atos. Please!
No caso em apreço, acho que eu propria cometi um erro no texto anterior. Digo que não devemos deixar nas mãos de outros o nosso lado mau. Embora isso seja verdade, também não devemos deixar o nosso lado bom. E devemos saber que estamos sempre a correr riscos -- adultos ou crianças. Quer assinemos um contrato com uma televisão quer quando publicamos uma selfie no Instagram. A pergunta, nesta era em que temos muito mais controlo sobre tudo isso (e somos convidados a aparecer muito mais), é esta: quão conscientes somos do que estamos a fazer? E isto é válido mesmo para pessoas que, como eu, não têm qualquer problema em publicar fotos dos filhos nas redes sociais. Procuro ser sensata., mas há riscos. Nem que seja o de sermos mal entendidos. Não se trata de ter medo do que os outros pensam. Trata-se de não ficarmos colados a uma ideia que pode não ser real. É por isso que devemos ser ainda mais cautelosos quando aceitamos mostrar o lado mau.
Sra. Russell e Filho (1786-1787),
de George Romney (Dalton-in-Furness, Lancashire, 1734 – Kendal, Westmorland, 1802)
está na exposição Do Outro Lado do Espelho, no Museu Gulbenkian, até 5 de fevereiro.