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Não é só isto, mas é muito isto: quase 41 anos e esta é a primeira tragédia de proporções homéricas que vejo no meu país. Aquele acidente de comboio aconteceu quando era pequena. Entre-os-Rios apanhou-me a viver em Espanha, tudo era longínquo. Creio ter explicado sumariamente o que me aflige -- imaginar o que as pessoas sofreram -- e ainda não estou preparada para voltar à vida normal, apesar dos telejornais já falarem da greve dos professores, da taça das confederações e outras coisas do género. Não estou preparada para voltar às fotografias cutchi-cuchi, as férias de verão dos miúdos, os resultados da bola, os concertos e os festivais, as peles bronzeadas. Preciso de chorar um pouco mais. Chorar pelas pessoas que morreram, pelas crianças, por quem sobreviveu, pela esperança e pela desilusão, porque podia ter sido eu ou a minha família, porque podiam ser amigos próximos. Se calhar, logo à noite já está tudo ok, mas agora (ainda) não.